Quando o tio Arlindão contava as estórias cabeludas dele a gente ficava tirando sarro em cima, pois ele só falava de gente morta, conhecidos e desconhecidos de séculos atrás até então prá mim. Trocava meu norme pelo do meu pai, dos meus irmãos, um dia eu era fulano, no outro oi beltrano, entra vem tomar um cafezinho. Cafezinho pro beltrano, Jacyra! O velho maestro aposentado ficava lá rindo gostoso de suas próprias piadas, um pouco perdido no seu próprio tempo e espaço. Eu era jovem, minha mãe dizia, tinha todo um futuro à minha frente. Porém, dia após dia parece que o futuro foi passando do meu lado e eu nem vi. Nessa viagem insólita os amigos foram ficando prá trás lá no Norte do meu Paraná, amores antigos, lugares vividos, paisagens, perigos, nebulosidade em forma de lembranças vagando dentro de mim.
E eu que era sãopaulino roxo, virei a casaca, troquei de time, aliás troquei de país, de hábitos até de idioma.
"Mea culpa", se hoje em dia juntar o vocabulário em português dos meus três filhos holandeses as frases ficam mais ou menos assim: "eu gostar de sorveto", "vammos pegar um praio". Legal é quando minha esposa querendo fazer moral em cima ainda corrige os coitados, "é eu gostar da sorveto", "vamos pegar uma praio!"
Estou me sentindo tão arcaico quanto o Arlidão, embora minhas estórias sejam menos cabeludas que as dele. Acho que isso é um mal de família, pois volta e meia me pego rindo de minhas próprias piadas que infelizmente ninguém aqui entende. Até aí tudo bem, só me assustei de verdade outro dia quando chamei o Albert meu vizinho duas vezes de Jacob, gordão, com a camisa nr. 14 do Ajax, ele me olhou meio perplexo, saquei a gafe, dei uma de Migué, engatei uma segunda e na terceira vez me corrigi rapidinho, "fala grande Herbert!"
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