donderdag 21 juni 2012

A minha chácara nr. 10

Isto aconteceu quase no mesmo dia em que as minhas galinhas botadeiras francesas começaram a despencar mortinhas da silva de seus respectivos poleiros de galhos de Santa Bárbara improvisados. Primeiro foi só uma, depois pluftvuup a outra e mais outra, quase todas voando desta prá melhor com a língua prá fora e cabeça, barbelas e cristas arroxeadas.
Assustei, fui perguntar pro seu Seu Benvindo, ele falou que era doença ou praga de alguém. Praga de quem? Quem iria jogar praga prá cima deste coitado aqui. Lembrei das estórias e "causos" que minha avó contava, coisas arrepiantes que aconteciam lá nas roças do interior de São Paulo nos tempos daquela velha-jovem. Eu morria de medo quando elas se reuniam e contavam umas prá outras aqueles causos cabeludos. Ficava de butuca espiando de pijamas de flanela pelos vãos das portas, só escutando e escutando aquilo tudo, depois não conseguia  mais dormir de medo e às vezes nos meus pesadelos até mijava nos lençois.
A minha preferida era uma que aconteceu com a irmã dela que tinha um namorado muito bonito. Mas parece que a mãe do rapaz não gostava da coitada moça de jeito nenhum, o problema era que a mulher também era macumbeira, e das braba. Como a velha devia ter metido muito o bico no namoro do coitado do filho, a mocinha deve ter ficado de saco cheio e deu uma dura daquelas nela, e com toda razão. Deixa o casal namorar e se amassar, fazer sacanagens do jeito que bem quiser, pô! Mas a velha tinha ciúmes demais do rapaz e era rabujenta,  assim não deixou e contava minha vó que ela fez um "trabalho" de esquerda dos feios pro lado da moça. Apareceu de repente debaixo da porta um sapo morto com a boca e a bunda toda costurada com linha preta e vermelha. Coisa de Vodu, penso eu, mas dali prá frente eu sei que a mocinha, ou seja, minha futura tia-avó que era namorada do moço, não conseguia comer mais nada ( acho que nem ser comida) nem cagar, tadinha, travou tudo durante várias semanas. A mocinha tão linda estava definhando aos poucos, morrendo lentamente um pouco por amor, um pouco por tesão, outro pela macumba da velha, mas sem dúvida uma morte dolorosa demais.
Apareceu alguém que sabia também desses assuntos (sempre aparece alguém) e fez um "contra-trabalho" da direita, ou do centro, ou da defesa, o qual acharem melhor. A moça sarou no dia seguinte. Eu, de olhos esbugalhados dentro de meu pijama de flanela, ficava torcendo pro feitiço virar pelo menos daquela vez contra a feiticeira e dar uma travada legal naquela velha verruguenta e cagona tão má. Ficava imaginando a cara dela, toda costurada e sem poder falar nem, comer nem, nem foder ( se é que alguém fosse louco o suficiente prá foder aquele velha feia!) nem mijar, nem dar as cagadonas fedidas dela. Não sei se o meu contra-feitiço pegou, mas eu sei que alguma coisa estava agora pegando em minhas galinhas botadeiras francesas. (Vai ver que era contra-contra-feitiço daquela velha cagona lá dos tempos da minha avó).
Minha filha, que estava com dois anos naquela época, brincava o dia inteiro na varanda, tinha improvisado uma cozinha e com umas panelinhas de plástico cor-de-rosa que tinha ganho de presente da tia Sueli, ia cozinhando a comidinha dela, que nada mais era do que folhas de abacateiro e pedaços de galhos secos cozidos em água embarreada. Qando a gente passava perto ela oferecia "quer um pouco, ó, bolo de chocolate!", só que falava em holandês, mas eu vou traduzindo aqui prá vocês.
Lembro bem que ela falava e cantava ( em holandês) quando estava cozinhando e brincando. O que não deixei de perceber é que quando a gente dava comida de verdade prá ela, arroz e feijão, sempre colocava um pouco nos pratinhos e conversava com outras crianças da imaginação infantil dela.
Um dia perguntei e ela me falou que "estavam com fome". Quem?. "Os meninos e as meninas", respondeu sorridente. Quis saber quem eram, quantos, ela contou nos dedinhos das mãos, mas eram crianças demais e ela só sabia contar até dez.
Quando voltei na Dona Rosa, como não tinha nada daquela casa prá levar, arranquei uma tramela pintada de vermelho de um quarto, que já estava com o prego um pouco solto e enferrujado mesmo.
Ela benzeu a tal tramela, baforou, cumpiu em cima, e depois me devolveu a tramela toda molhada. Falou qualquer coisa que o santo resmungou que era prá virar da esquerda prá direita, senão dava azar, ziquizira foi a palavra que usou, zebra penso eu, ou será que era da direita prá esquerda, nunca entendi direito aquilo. Coisa boa minha, toda vez que vejo uma tramela nesta vida fico em dúvida prá que lado deveria abri-la.
Aí me disse que enxergava uma negra escrava sentada em cima de um toco. Ela estava muito triste e chorava sem parar. Alguém tinha a chamdo e trazido ali àquele lugar, cuidado bem dela por uns tempos, mas depois todos foram embora e a largaram a velha lá sozinha sentada naquele toco de peroba que ficava em frente ao meu barracão.
Dois dias antes tinha dado uma tempestade muito forte e caído uma das Santa Bárbaras da divisa com o Benvindo bem no teto do barracão, que ficou reduzido a pó. O pior é que choveu dentro e molhou todas as coisas que estavam dentro de um baú que tinha ganho da herança da minha mãe, que foi embolorando tudo e sendo devorado pelos ratos depois daquila chuva, uma pena.
Eu juro que não contei nada prá ela, mas Dona Rosa era foda, sabia das coisas, e me disse que havia um bando de crianças famintas correndo tristemente pela chácara. Tinham muita fome e sede e ninguém prá cuidar deles.
Que eu não os enxergava, nem a velha escrava, mas um de meus filhos sim. Que loucura, meu Deus!
Lembrei das festas de "Cosme d Damião" lá em Presidente Prudente, minha mãe me levava junto com ela todo ano naquelas cerimônias no terreiro de um tal de Wanderley, que pensando bem era uma bichona muito das loucas, todo de branco com um lencinho de rendas na cabeça, e como dançava e rebolava. Mas era um festão, e acho que de graça, balas de coco, guaraná, salgadinhos, esfirras de montão, brigadeiros, todo mundo de branco, até a minha mãe, dançando e cantando ao som de uns tambores ensuredecedores quase bonitos. Acho que ela ia escondida do meu pai, pois se o velho soubesse disse acho que ficaria puto da vida com ela. Eu pegava um pratinho de papel repleto até a boca de doces, um guaranazinho e sumia lá prá fora debaixo de uma sombra qualquer. Ficava olhando aquilo tudo e pensando, porque será que gente grande se agita tanto assim, conversa um com outro tanto tanto assim, faz tanto barulho?. Essa merda desses tambores que não param. Quando acabava o guaraná ou os doces eu voltava lá prá dentro, colocava as mãos no ouvido passava rapidinho pelos tambores,  e bem devagarinho pelas dançarinas de branco, às vezes até dava uma paradinha prá vislumbrar-lhes as bundas e os peitos salientes, depois eu completava meu pratinho de papel com guloseimas e o copo de guaraná novamente. Pena que a maioria delas eram umas velhas gordas que nem sabiam dançar direito, mas tinha uma moreninha parecida com a Sandra Brea  que me deixava fascinado, sei que soquei muita bronha, afoguei muito ganso, bati muita punheta nesta vida pensando na Sandra, coitada morreu de câncer, que Deus a tenha lá no céu, atriz que era teve um grande papel nessa novela de minha adolescência perdida. Uma vez minha mãe me fez ir à tal festa vestido de anjinho, com asa e tudo. Pô, quase morri de vergonha, mas gostava demais da minha mãe, sem falar daqueles doces e da Sandra, então fui sem reclamar, só que as porras das asas eu só colocava lá na hora. E avisei,  e se aquele viado do Wanderley viesse com estória pro meu lado,  dava-lhe uns bons pontapés bem na altura do saco e o mandava tomar no cu dele. Eu não era louco prá cruzar a cidade inteira à pé com todo mundo que eu conhecia me vendo de mãos dadas com minha mãe, que me segurava firme prá eu não voar dentro daquela fantasia de anjo ridícula.
Dona Rosa me mandou dar muita comida às crianças. Era prá eu ir numa mercearia, comprar bastante doces, pipocas, balas de tudo que é tipo, e de manhanzinha antes do sol aparecer, ou ao por-do-sol, colocar debaixo de cada árvore um punhadinho de doces, e era prá não me esquecer de jeito nenhum de dar água, muita água, potável, limpa, fresca, cristalina, pois eles tinham sede. E  sorridente me pediu prá escrever outro checão de 75 desta vez, que a coisa estava braba pro meu lado e ela teria que fazer um trabalho extra pra libertar aquela criançada e a velha escrava de uma vez por todas de lá.
Fui ali na Sergipe perto do Terminal de Londrina do lado do "Camelótromo" (gosto demais da palavra camelódromo, o cara que bolou devia ganhar um prêmio por isso) comprei uns sacos enormes de pipoca doce, um monte tloberones gigantes, balas de hortelã, rim-tin-tin, prá falar a verdade também estava com saudades daqueles sabores, comi quase a metade dos saquinhos, uns refrescos dos vermelhos com gosto de groselha e plástico (com sede também tomei um) acho que não tinha groselha nenhuma, apenas muito açúcar e um montão de corantes dentro, porém lá fui eu de volta prá chácara cuidar daqueles "órfãos" famintos que pelo menos agora estavam temporariamente sob a minha responsabilidade.



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