Passei o fim de samana ansioso pensando na chácara, nas frutas, nas Angolas, Anús, naquele pedaço de céu azuladando o outro pedaço de terra roxa que agora iria ser finalmente meu.
Segunda-feira logo de manhãzinha, não tinha nem dado tempo de tomar um café, o João Telefone ligou. Falou que tinha um outro comprador interessado (conversa fiada!), que o dono um professor iria sair de férias prá Camboriú, blablabla, e se eu quisesse a chácara tinha que ter pressa. Negociamos um preço, que me pareceu mais do que justo, mas ele queria a comissão dele. O Mirtão sentado numa cadeira de vime alaranjada na varanda, tomou um gole de Brahma Chopp gelada, fez um aceno meio obsceno com a mão que não, comissão é do vendedor não do comprador. E ele tinha razão. Segundo ele o Telefone estava querendo era morder dos dois lados.
Dali a pouco ele ligou de novo, se não dava prá pagar pelo menos a metade. Não gosto de pechinchar mas pechinchei bonito e resoluto, comissão eu não pago porra nenhuma. "E a gasolina então?", numa última vã tentativa do Telefone prá salvar o que dava de salvar pro lado dele, coitado.
Coitado foi de mim, que acabei comprando aquela chácara e me mudando com a família prá lá.
Emprestei umas enxadas e foices e convidei os sobrinhos prá "desbravar" aquele pedaço de sertão. Lembro que o Manão foi junto, quando desceu do carro acho que se assustou com o mato, deu umas duas ou três foiçadas irresolutas e foi se sentar com um gibizinhos do Tio Patinhas à sombra de uma pitangueira repleta de pitangas maduras. Os Sanhassos azuis-turquesa cantavam, comiam as pitangas deles e e ao mesmo tempo iam cagando na cabeça do Manão. Ele xingou os lindos pássaros e foi se sentar na poltrona da velha Kombi estacionada. Ainda me deu uma dura; "Pô tio, é muito mato, meu, que calor do cacete, não tem nada prá gente comer não, esta coca-cola não tá gelada!"
Eu nem ouvi os resmungos do Manão, estava num tipo de êxtase, e sentia dentro do peito a fúria de um gladiador, os Assa-Peixe de quase de dois metros de altura eram os meus adversários naquela arena inusitada, que eu seguia cortando as pernas, e arrancando um por um daquele chão que agora era meu.
Depois de algumas horas de batalha e muito suor consegui abrir uma clareira e um caminho até a casa e o barracão. Manão fechou o gibi dele e veio correndo atrás, quando vi o bicho estava trepado em cima da goiabeira, parecia um gibão se agarrando naqueles galhos verdes, que balançavam como numa floresta sob o peso dele.
Logo apareceu um vizinho, que eu já tinha notado estava de butuca dando comida aos cabritos dele e assistindo de graça o nosso programa, pois aquilo devia parecer um filme de humor. Quem seria aquele careca de botina, calção e camisa nr. 14 do Ajax, cortando como um louco varrido aquele mato naquele calorão de matar.
Conversamos um pouco ele me disse o que eu já sabia, que a casa já estava abandonada havia vários anos, etc. E se eu quisesse ajuda ele tinha um cunhado jovem na roça ali em frente que na folga dele limparia aquilo tudo em um dia pra mim. Quando ele falou o preço da diária do rapaz eu senti o desepero do Manão que agora estava se atracando com o Pé de Carambola, chacoalhando os galhos bem altos mas as danadas teimavam em não cair. Era quase nada, e aqueles Assa-Peixes parece que se multiplicavam que nem a estória do pão e peixe de Jesus.
Quando voltei à Chácara dias depois e perguntei se o Manão queria ir junto ele arranjou alguma desculpa e reclamou mais uma vez do mato e da coca quente.
Eu fui sozinho e o rapaz estava quase terminando de derrubar o meu último adversário, que solitário murchava quase imediatamente depois de assassinado debaixo daquele sol implacável.
Ficou limpinha, tinha um enorme gramado que antes eu nem percebera e parecia um campo de futebol imenso de grande, só faltando as linhas, arquibancadas e as traves. Eu me sentia o juiz, o dono do time. O presidente.
Agora dava prá ver lá longe o teto da casa do vizinho, a torre de um poço artesiano, umas colinas verdes imensas que deveriam ser cafezais em curva de nível. Me senti feliz por estar ali naquele momento. Queria ficar ali prá sempre parado na beleza e perfeição daquele momento.
Só acordei dos meus devaneios de felicidade quando o rapaz gritou "corre, cobra, cobra!!", e correu foi com a enxadinha dele cortando a Cascavel bem no pescoço da bicha. Acho que estou exagerando um pouco as coisas, na minha lembrança era uma enorme Cascavel, mas talvez fosse alguma cobrinha inofensiva mixuruca de nada, que estava mais com medo da gente e da enxada do cunhado do vizinho do que a gente dela. Ainda por cima chegamos lá sem ser convidados e derriçamos com os Jardins do Éden dela cercado de Assa-Peixe.
Quando estava tudo bem limpo a esposa veio com as crianças conhecer. A casa precisava de uma nova pintura, lâmpadas, talvez uma nova fiação. Eu teria que construir uma nova varanda bem mais alta pois a que tinha a gente quase batia a cabeça nas telhas. O carpinteiro que deve ter feito aquilo acho que era anão.
Imediatamnete fomos a uma casa de tintas e construção. Ela não quis descer do carro pois os bebês gêmeos de 6 meses estavam no banco traseiro, minha filha de um ano e meio no da frente no colo.
Entrei na loja e perguntei sobre tintas e cores. O vendedor desinteressado me mostrou aquelas prateleiras com um mundaréu de tintas de todo tipo e coloração. Expliquei que a casa era de madeira e esposa estava no carro e queria escolher as cores. O cara deu uma risdadinha pro vendedor do outro lado do balcão, um dos dois devia ser casado também. Voltei à velha Kombi com um mostruário que parecia um arco-íris em forma de leque ou de cartas de baralho.
Não havia sombra por perto e o sol do meio-dia parece que cozinhava tudo ao redor. Demorou um tempão prá fazer a escolha. Voltei ao balcão. "Quero esta, e esta, e esta aqui ó!". A verde ele tinha, a amarela também, mas a roxa não fabricava mais! Se não fabricava porque coloca no mostruário, pô! De volta pro carro, o cheiro de leite azedado, os bebês chorando incomodados com o calor e a espera demorada. Em holandês "roxa não tem, só cor-de-rosa". E dá-lhe folhear o arco-íris. Outro dia um de meus filhos que agora está com 13 anos me perguntou porque a mãe deles demora tanto prá escolher as coisas no supermecado, lojas de roupas. Segredo nosso, mas quando vamos juntos sem a esposa fazer as compras a gente se dispersa, parece um batalhão bem treinado, cada um prum canto do Jumbo e contamos um, dois, tês e já! Dali prá frente o tempo começa a correr. O nosso recorde é três minutos e quarenta e cinco segundos, já chegamos a fazer em dois mas tinha uma velha gorda no caixa com um carrinho até a boca que infelizmente nos atrasou demais. Os meninos reclaram que não valia pois ela estava em toda fileira por onde passaram. Confesso que também me atrapalhou um pouco com aquele bundão absurdo de grande atravessado na minha frente quando tentei esticar o braço prá pegar as verduras. Pegar verdura prá que, dizem os gêmeos em únissono, acaba estragando tudo na geladeira. Podia trocar por umas Redbull bem geladas!
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