woensdag 20 juni 2012

A minha chácara nr.9

Porque milhões de interrogações eu carrego sozinho pelo meu caminho, as quais paulatinamente a vida vai se me respondendo quando lhe dá vontade.
Viver é bom, sonhar acordado também. Sou um sonhador sem conserto, um romântico à moda antiga, que ainda curte Roberto Carlos, um aprendiz neste mundo que nunca vai aprender direito as coisas. Não tem importância pois vou curtindo todas elas tortas mesmo.
Um cheiro de bolo de fubá vinha lá da cozinha da Dona Rosa. O perfume daquele bolo me deixou mais interessado nele do que tudo que havia naquela alcova com santos coloridos, vasos de "comigo ninguém pode", oferendas de frutas, bananas, melancias, frutas do conde, velas de tudo que é tipo queimando acesas num tipo de altar. Nem o olhar perdido no tempo e no espaço da Rosa me tirou de meu sonhos "fubáceos" ela agora fumava um charuto e brincava tal qual criança com umas conchas e ums rosários que ia jogando em cima da mesa, murmurando e rindo.
Deu umas baforados bem em cima da cueca zorba do Mirtão, como eu estava ali do lado dela naquele quarto subterrâneo fechado quase me engasguei com aquela fumaceira toda.
"Esse aqui é osso duro de roer!" eu uma risadinha e apontou prá zorba.
Depois virou pro meu lado, baforou bem em cima das camisetinhas das crianças, da esposa, de mim.
Me deu ali na hora um tipo de um passe, baforando sem parar e me esfregando as costas com uns galhos bem fedidos que deveiam ser de arruda pelo cheiro. Ela me disse que  eu estava muito "carregado" e as coisas estavam dando errado demais pro meu lado. Mostrei o corte e a cicatriz na careca. Ela esfregou com cuidado a erva fedida, baforou  e deu uma cuspida em cima. Fiquei ali meio estupefato olhando a fumaça subir pelo teto à procura de alguma fresta prá sumir pelo céu e ir de juntar aos milhões de outras fumaças deste planeta.
Como tem fumaça neste mundo meu Deus. A poluição ambiental é uma das coisas que me deixa muito triste, pois estamos acabando com todo verde desta Terra. "Piromânicos sapiens", queimando e derriçando tudo que é de bom e natural pela nossa frente, depois cobrindo aquela modernidade desértica que fica com concreto, asfalto, plástico, entulhos de nosso progresso melomaníaco e sem tamanho.
O doce perfume do fubá me acordou de meu sonho. Pressenti um cafezinho gostoso ali saindo na horinha. Uma leve brisa com cheiro de café, fubá e erva-doce que vinha lá da cozinha pairava pelo ar. Saudades dos bolos que minha mãe fazia, de fubá mimoso, de mandioca, de banana, aquela velha inventava as coisas que nem ela só, e era econômca, utilizando além da farinha em sacos de estopa que era baratinha, os ovos das minhas quase trinta galinhas índias que ciscavam pelo nosso terreiro, as coisas que o nosso pomar fornecia. Acho que até bolo de tamarindo eu já andei comendo quando criança. Boas lembranças. Gosto de escrever minhas lembranças, principalmente as boas.
Dona Rosa me chacoalhou com uma baforada do charutão dela. Tinha uma voz muito rouca, quase de homem, talvez fosse a voz do "santo" que baixara nela ou seria simplesmente de toda aquela nicotina acumulada pelo passar dos anos.
Assim meio enigmática me perguntou se eu queria saber de mais alguma coisa.
Falei que sim, claro, pô, estava ali e iria ter que pagar no final pelo serviço.
Quando toquei no assunto da chácara ela arrepiou, tussiu, pigarreou, até peidou, parece que iria ter um troço ali na minha frente.
"Meu filho, o que ocê tá fazendo naquele lugar, ó meu santo?". Tirei da bolsa  uma foto do meu lindo pomar e da minha horta que havia recém-revelado pra mandar pro resto da família.
O "santo" teve quase um chilique, pois ela pulou da cadeira, derrubou uma vela, quase caiu. As trêmidas mãos seguravam as duas fotos e os olhos por detrás das lentes dos óculos não acreditavam nas imagens que agora enxergavam.
"Meu bom Deus menino!", fez um "cruz-credo" duas ou três vezes e murmurou um tempão umas rezas que não entendi direito. Depois virou pro meu lado e disse:
"Sai logo de lá, hoje mesmo, se puder, vai embora com a tua esposa e teus filhos, volta pra tua terra!". "Isto não é lugar prá vocês!".
O sotaque dela, ou do santo, era meio nordestino e tive que fazer um pouco de esforço pra entender o que diziam e onde querim chegar com aquela estória.
Finalmente ela me contou que aquele lugar, muito antigamente no tempo de mocinha dela, havia sido um terreiro de macumba dos brabos, frequentadíssimo e que tinha muita coisa ruim enterrada por ali.
Lembrei das garrafas de cachaça, das carroçadas do Chico Bento e dos cacos de vidro que eu tirei junto dele daquele chão, dos ossos, das velas...
Um arrepio me subiu pela espinha. Fiquei arrepidado de cima em baixo, com o pelo dos braços, da nuca, acho que até do saco,  todos em pé, em prontidão à toque de bateria prá sumir dali como um raio. Mas fiquei, e ela me contou alguns pormenores da estória dela que agora compartilho um pouco com vocês. Acho que contente por eu ter vindo até ela, a velhinha acendeu um outro charutão, outra vela vermelha, roxa, amarela, deu uns suspiros e terminou de súbito a sessão. Só que era prá eu deixar um cheque de cinquentão prá comprar os bregos prá fazer as oferendas dela. Titubiei, detesto assinar cheques, mas como com essas coisas do além a gente não se brinca, peguei o talão do antigo Banespa, arranquei uma folha, preenchi e assinei.
Ela me deu um abraço e encaminhou sorridente à porta segurando o meu cheque na mão. Uma senhora grisalha de havaianas dessas amarelas nos pés e um lenço bem branquinho de rendas na cabeça, esperava lá fora a hora dela junto com a filha que pelo jeito estava grávida. Disse o meu 'boatarde!" efui-me embora muito do cabreiro com aquilo tudo. Ela ainda por cima me pediu prá voltar o mais rápido possível, trazendo alguma coisa daquela casa da chácara prá ela benzer. Ainda um pouco abalado por aquelas notícias meio escabrosas eu sei que acabei me esquecendo foi da zorba do Mirtão, que ficou perdida lá em cima da mesa, do lado daquele caboclo de gesso preto o "vira-mundo" e um índio velho com cara de brabo...




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