Treze anos já se passaram e ainda tenho pesadelos de vez em quando com aquela chácara. A gente tinha resolvido emigrar da Holanda para o Brasil, um de meus sonhos quase realizados nesta vida sempre tão repleta de sonhos, comprar um sítio e abraçar a agricultura ecológica. Mas o Brasil é tão grande, andei por Minas, Ouro Preto, Mariana, São João Del Rei, pela Alta Sorocabana, passei por Curitiba, Araucária, Contenda e de ônibus fui até Lapa, terra da batata. Cada lugar que passávamos a gente olhava um pro outro e se perguntava em holandês "que tal, vamos amarrar nossos burros por aqui?". Queria ir até Florianópolis mas infelizmente não fui.
Num ônibus da Garcia acabamos viajando até Londrina, talvez o maior amor da minha vida.
Falei pro Mirtão que estava olhando sítios ou chácaras prá comprar. Logo assim como vindo da imensidão do nada apareceu um corretor, o João que na hora apelidei de "telefone" pois carregava pendurado na cinta um celular que mais parecia uma geladeira de tão grande. Ageladeira dele não parava um instante de tocar, e sem que me desse conta estava num Fiat branco rumo ao Shopping Center Catuaí. Ele entre um alô e outro ia me "apresentando" Londrina, "aqui é o lago Igapó, ó, que coisa mais linda! Depois passamos por um condomínio, Terras de Santana, Emaús, uma estradinha de terra batida e de pedras que só Deus sabe onde iria dar. A poeira vermelha subia e entrava por cada poro, cada fresta daquele velho Fiat abafado.
Um japonês de bonezinho branco avermelhado com um trator Tobata, desses que mais parecem um cortador de grama, acenou prá gente, ainda deu prá vislumbrar os pés de caqui em imensas fileiras simetricamente sumindo e se perdendo pelo horizonte sem fim.
Eu estava feliz. Como uma criança saindo pela primeira vez de férias. Chegamos num cruzamento com cara de encruzilhada. Eu ainda apontei pros litros de cachaça vazios, oferendas, velas e galinhas pretas mortas. Telefone desconversou, mudou de assunto; "Aqui atrás, ó, bem pertinho, fica o Campus da Universidade!" Um cão vadio apareceu por detrás de uma moita de erva-cidreira e deu uma mordida apressada arrancando um pedaço da coitada da galinha. Era sábado de manhã, algumas velas ainda queimavam quase no finalzinho. Lembrei do dia de Finados.
Seguimos em frente, derrapando um pouquinho numa curva enlameada. Perguntei se não atolava, Não sei como ele sabia com toda aquela certeza de corretor de imóveis, mas Telefone me garantiu que ninguém nunca atolou por ali.
Finalmente chegamos na chácara, que estava meio largada, com um casebre de madeira desbotado,
um barracao meio abandonado, o mato querendo subir pelas pernas da gente e sufocar quem ficasse por baixo. Um enorme caramujo que juro por Deus, era maior que a palma da minha mão, passou devagarinho quase parando à nossa frente. Nem deu tempo de gritar prá acudir o coitado, Telefone deu-lhe uma pisada daquelas nas costas que não sobrou nada do inocente invertebrado. Aquele bicho deveria ser pelas minhas contas julagando pelo tamanho, quase que pré-histórico. Tenho um pouco de remorso até hoje por não tê-lo salvado daquela pisada fatal do João.
Passeamos pelo enorme pomar de mexericas, Poncãs, Limas amarelas, Limão Rosa, Galego,Tahiti, Laranjas,,Pera, Baiana, abacates de todo tipo e tamanho, goiabas vermelhas, brancas, jabuticabas, Frutas do Conde, Pinhas, Mangas Espada, Coquinho, Manteiga, Haden, Bourbom, Coracão de Boi. Aquele paraíso frutífero esquecido estava lá todo largado, como que envelhecido pelas intempéries do tempo esperando apenas por alguém chegar, por mim talvez.
Telefone me mostrou o carreador, a bomba elétrica que ainda funcionava perfeitamente, segundo ele. O galinheiro, a velha horta abandonada, onde um bando de Galinhas de Angola ciscavam destraídas pelo chão à procura de minhocas, besouros, larvas, enfim do que encontrassem pela frente. Os pés de Santa Bárbara estavam com os galhos secos emaranhados em cima dos fios de eletricidade, mas era só pedir que a prefeitura vinha "no mesmo dia!?" cortar.
Um bando de Anús Brancos pousou no poste do lado esquerdo do barracão. Fazia um tempão que não os via mais, aliás já tinha quase me esquecido de que eles existiam. O sol foi nublando de repente e virando prá chuva. Dava prá ouvir os Bem- te -vis fazendo a alvoraça deles e anunciando mais uma tempestade de verão, que não iria demorar. Telefone olhou pro céu todo preocupado, as núvens Cúmulus Nimbus ameaçavam o céu acinzentado e vinham para o nosso lado.
Fiquei pensando na curva daquele atoleiro se chovesse de verdade. Acho que o Telefone também. Comecou a ventar muito forte, relâmpagos e trovões prá todo lado, os galhos do abacateiro maior desciam quase até o chão vermelho. Entramos apressadamente no velho Fiat voltamos à estrada principal do lado do Shopping rumo à Londrina.
(continua...)
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