donderdag 14 juni 2012

O Paixão

Prá falar a verdade o nome verdadeiro dele eu já não me lembro mais, porém a gente lá na vila o chamava de "Paixão", apelido carinhoso quiçás deixado por alguma namorada ou ex-amante apaixonada. Tive vontade, mas infelizmente nunca perguntei, vai ver que era algum pseudônimo, ou sobrenome mesmo. Talvez alguém ainda se lembre dele, ele tinha uma barracharia com o nome singular de "Borrachoaria do Paixão" em letras azuis berrantes mas bem caprichadas no letreiro do muro recém-caiado e ficava quase no finalzinho da Av. Brasil. Sangue meio índio, meio negro, meio português, mouro, mameluco, sei lá, nem Deus mesmo sabia as ramificações da árvore genealógica do Paixão. Mas ele era engraçado prá valer, coitado, só que não sabia disso.
Eu gostava de ir encher o saco dele e os pneus da velha calói 70 lá na "borrachoaria" dele, e passava horas e horas assistindo o bicho na montagem das rodas, aros; o cheiro forte de borracha e cola, aquele calendário enorme com umas loiras holandesas com as bundas de fora, a banheirona remendada com durepox cheia d'água e sabão onde ele, metodicamente, como um sacerdote de mãos engraxadas mergulhava aquelas mãozonas gigantes e calejadas à procura dos dito cujos dos furos. Sempre rindo alegremente e cantando desafinado com aquele vozeirão de barítono as coisas do Benito de Paula, "agora chegou a vez vou cantar...". Paradoxal é a palavra que me vem à cabeça tentando em vão descrever o Paixão. Um poster do Benito de bigodinho e terno cor-de-rosa sentado ao piano na porta da geladeira, na parede do lado as holandesas ou dinamarquesas quase nuas. Até hoje quando sinto o cheiro de borracha imediatamente me vem na lembrança as imagens e os sons quase emudecidos da velha"borrachoaria", o Paixão, o Benito, as dinamarquesas. Aquele "playground" de pneus  por onde a gente brincava e minha memória esquecida ainda gosta de visitar e brincar de vez em quando.
Um dia menino escrevi numa redação de português da escola que quando crescesse queria ser duas coisas, ou bombeiro ou "borrachoeiro" que nem o Paixão. A dona Ozíbia se arrepiou toda e com certeza deve ter me dado uma dura e corrigido as enormes faltas ortográficas, todo mundo riu prá valer, pimenta no olho dos outros é refresco. Não sei porque sempre gostei deste ditado, aliás adoro ditados, principalmente aqueles que alguém troca as bolas e pronuncia errado. Acho que foi assim que começou essa estória de inverter ditados, com o velho Toniquinho meu saudoso tio, quando nos disse um dia prá consolar as coisas que "era melhor dois pássaros na mão do que um voando". Dali prá frente não deu outra, sempre que penso num ditado desses me dá uma vontade louca quase compulsiva de inverter a ordem das coisas só prá me alugar, pois "de pouco e de louco todo mundo temos um médico", não é mesmo?.
Pensando bem, depois da tubaína Cristalina ou Funada, do suco de groselha Asteca, o refresco que eu mais gostava naquela época era o "Saci", tinha um ambulante com cara de figurante de filme mexicano que os vendia bem gelados e em saquinhos plásticos arroxeados com uma foto do Pererê pulando com uma perninha só todo feliz  fumando (devia ser maconha) o cachimbo dele, e a gente descia da escola falando bobagens, os mais velhos também fumando um Continental ou Minister e os mais novos tomando Saci e mastigando os canudinhos. Nunca gostei de cigarro nem de fumaça que não fosse de churrasco.
Mas o tempo passou muito rápido, rápido demais prá mim, meu pai faleceu quando eu tinha uns dez anos, minha mãe levou a gente morar mais prá perto da família dela, jovem, nunca mais fiquei sabendo do Paixão. Isso já faz uns quarenta e tantos anos. Mas o sorriso branco bondoso daquele mameluco bonaxão ficou gravado prá sempre tal qual frisos de pneus em alguma "borrachoaria" dentro de mim...

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