dinsdag 19 juni 2012

A minha chácara nr.7

Eu sempre fui, pelo menos aqui dentro do meu modo de ver, um cara bem sossegado, todavia de vez em quando pinta uma e outra obstinação com alguma coisa. Minha esposa fala que então fico parecendo um desses "pitbull", daqueles cães que mordem e não querem e nem podem largar mais a vítima. Ouvi dizer num programa do Discovery que as mandíbulas deles dão uma travada e não relaxam mais. Nem dando porrada em cima eles largam.
As minhas não travam mas esta velha cabeçona dura sim é que me vive travando.
Encanei de arrancar de uma vez por todas aquele postinho de concreto no meu caminho. Hoje pensando bem deveria ter deixado o coitado lá em paz, paradão na dele no meio do caminho. Fazer um novo desvio rumo à horta, sei lá,  plantar umas primaveras amarelas ou roxas prá subir em cima dele.
Mas infelizmente eu já o tinha dado uma "mordida" daquelas e dali prá frente só largaria morto.
E quase morri. Voltei bem cedinho à chácara e com o enxadão amolado fui lhe tirando a terra dos pés.
Cavuquei e cavuquei sem parar, lá e cá olhando o Tião também cavucar o buraco dele à distância, pois ele agora estava dando umas de poceiro e abrindo um poço na chácara do japonês vizinho de baixo. Parecia um Tatú-Peba, com a camisona nr. 7 do Corinthias vermelhinha e molhada de suor. Era como se tivesse se enterrando vivo nas profundidades daquela terra roxa de vulcão abandonada.
O meu postinho balançava, balançava mas não soltava de jeito nenhum os danados dos pés do chão. Acho que estava chumbado prá sempre, colado ao chão com concreto. Agarrei o bicho como se agarra um ladrão de galinhas  e resolvi balançá-lo, prá frente e prá trás, prum lado, pro outro. Ele finalmente foi devagarinho soltando aquelas raízes de concreto do meu caminho. Quando olhei de novo o Tião tinha desaparecido da paisagem, só ficou um monte de terra, barro, pedras e piçarra em volta de sua cova singular.
Quando cheio de orgulho, regado pelo doce sabor da vitória iminente dei a minha balançada derradeira, acho que foi prá trás, o viado do postinho, que devia estar muito enferrujado, quebrou bemna altura das canelas. Ouvi apenas um baque seco, abafado como de um atabaque de surdina, com o meu sangue quente jorrando pelo chão. Senti o gramado sumir dos meus pés, como se tivesse voando mas sem sair do lugar. Dei um grito de dor até então jamais gritado por mim nesta vida. O Tatú-Peba saiu todo molhado de sua toca e veio correndo me acudir. Tinha um reservatório de água de plástico azul do lado da horta. Tirei a camisa, e mergulhei a cabeça dentro dele, que foi ficando devagarinho rosa, lilás, depois roxo que nem vinho tinto. Alguém gritou corre pro hospital com ele. Coloquei a camisa molhada em cima do corte e apertei o máximo que podia, tentando estancar meu próprio sangue que corria agora devagarinho mas sem parar.
Ainda ouvi o tião falando pro outro rapaz que ele não sabia dirigir carro que não fosse "automático". Acho que foi mais uma desculpa esfarrapada dele pois penso que nem carteira de motorista aquele tatú tinha.
O outro rapaz pulou no banco da Kombi e fomos até um posto de emergência ali na Humaitá, perto da UEL. Minha cabeça girava e agora latejva, como selvagens tambores doloridos e arritimados.
Quando entrei a mocinha do balcão olhou o tamanho corte e falou resoluta "direto pro hospital".
Fui parar na Santa Casa de Misericórdia. Como de costume tinha uma fila enorme, com gente de tudo que é tipo, com tudo que é doença que se imaginar esperando a vez deles de entrar. Gritei "Porra, é emergência, cacete!". Um gordão de óculos que acho que nem médico era olhou quase que desinteressado o meu corte, "vai ter que dar só uns pontinhos", e me mandou entrar de novo na fila e fazer uma ficha na administração. Aquilo latejava e doía, mas o sangue estava graças à Deus parando de sangrar.
A escriturária me pediu o nome e número do plano de saúde. Foi aí que lembrei que infelizmente não o tinha, pois me encontrava em transição, havia acabado de voltar ao Brasil e um pouco por conveniência, outro por puro esquecimento mesmo tinha me esquecido daquele detalhe importante.
"Sem plano não dá"!". Mas como não dá, olha aqui a cicatriz, ó, tirei a camisa banhada em sangue e fodido da vida mostrei a todos, só vi gente se arrepiando, umas gritaram "Credo!", outros "Vixe, o corte é grande, moço!". Uma loira bonitona de calça branca e bustiê verde-escuro que também estava na fila do lado nem se mexeu, hoje pensando bem acredito que a coitada já tinha problemas demais pro lado dela. Pois quem estava ali naquela hora tinha problema de saúde ou iria visitar quem os tinha, penso que ninguém vai à Santa Casa só prá passear. Foi quando lembrei que naquela hora eu tinha dinheiro no bolso, pois havia  ainda que pagar pelas gambiarras elétricas do Tião.
Lembro como se fosse hoje, cem reais amassados e vermelhos no bolso do calção, que tirei ( o dinheiro não o calção) e mostrei prá datilógrafa escriturária. Devia ter tirado o calção também, até as cuecas, as meias, ficar peladão em pé em frente ao balcão,  porém ela nem me olhou e fez a ficha dela vagarosamente,  com dois dedos catando milhos naquela máquina obsoleta. Depois com um sinal me mandou entrar, e fui atendido amigavelmente por uma senhora que deveria ser a enfermeira de plantão. Sabia que agora estava em boas mãos. Olhei com tristeza a fila de moribundos se aumentando do lado de fora, um velhinho de quase noventa anos tussindo e pigarreando sem parar, crianças barrigudinhas, bebês de colo talvez com febre chorando, gente com pernas engessadas, ataque epilético, tinha de tudo.
Uma japonesinha com cara de estudante de último ano de medicina foi quem me atendeu. Vou aplicar uma anestesia debaixo do couro "cabeludo" (mais um paradoxo, pois quem me conhece sabe que sou mais careca que uma bola de bilhar). Doeu, mas menos que as latejadas dos atabaques. Menos que a minha tristeza por ver aquele meu povo já tão sofrido sofrendo mais uma vez enfileirado lá na porta. Depois ela costurou com cuidado e me garantiu que como estava pagando em dinheiro deu uns pontos que quase não deixam cicatriz e se dissolvem por debaixo da pele. Ainda me deu um tubinho de creme especial que as mulheres ricas usavam depois das cirurgias plásticas, e era prá evitar o sol direto na pele. Só assustei quando me apresentou um espelhinho amarelado e confesso que quase não tive a coragem necessária prá encarar um simples reflexo naquele momento. A cicatriz ficou enorme, longitudinal bem no meio da cabeça, como se feita por algum pente misterioso imerso no concreto-armado daquele pontinho, dividindo-a perfeitamente em dois hemisférios de cabelos inexistentes.

2 opmerkingen:

  1. Oi, Joe, voltei lá no início da história da chácara e fui lendo sua "saga brasileira" para entender esse acidente. Estava , a princípio, pensando que fosse recente. Mas acabou sendo bom ler suas incrívies e bem humoradas histórias de vida. Abração, meu velho. Paz e bem.

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  2. Hei, José de Groot,
    isto aqui era prá ser só mais uma estorinha dessas curtinhas
    mas meu papo é comprido demais e por mais que
    tente começar contar as coisas à sério não sei porque tudo acaba virando pro lado da palhaçada,
    forte abraço
    Joe

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