woensdag 10 oktober 2012

Mais uma despedida de alguém na minha vida

Falar do que, quando já se falou de quase tudo. Tocar qual canção, quando todos os sons nesta tua ausência desapareceram como que prá sempre? Ficou dentro de mim esta inércia esquisita, este nó cego no fundo do peito, esta dor que eu já conheço há séculos muito bem, todavia sorrateira andava em algum canto escondida. Mas você partiu prá sempre, escolheu a sua hora e a sua vez de partir. A mim me resta lhe perdoar meu amigo, esta Terra lhe foi muito breve, que o bom Deus também lhe perdoe hoje eu sei que a sua dor deve ter sido milhões de vezes mais forte que esta minha por lhe perder. Mark, eu nunca mais vou lhe esquecer, meu filho. Meus violões emudeceram, tão estáticos quanto eu me esperam pendurados nas paredes aqui desta sala vazia sem saber o que fazer. Confesso que também não sei o que fazer, sou apenas desespero, converso, tomo café, choro, tento aqui neste momento escrever os meus silêncios...

dinsdag 9 oktober 2012

Coraçao apertado e braços abertos

Eu nunca fui, nem sou e acho que nunca o serei, tenho apenas a impressão que apenas passo a minha vidinha dando "umas de". Já trabalhei em banco sem ter sido bancário, fiz uma faculdade inteira de engenharia agrônomica sem nunca ter sido agrônomo de verdade. Andei por aí escrevendo poesia sem sequer ser poeta, namorando meio mundo sem todavia me enamorar com ninguém. Meu violão me acompanha nas minhas tragédias, encontros e despedidas, mas nunca fui violonista, apenas arranho minhas notas. O saxofone me encanta e ao mesmo tempo me desencanta. Páginas em branco me atraem e depois me repelem. Comemoro os meus gols depois chuto minhas bolas pro mato. Detesto campeonatos. Quisera ser isento mas a vida me faz pagar os impostos em forma de tristezas que sinto dentro do peito e acho que sempre vou sentir. Neste fim de semana meu melhor amigo e companheiro resolveu por um fim em sua vida. Trinta anos, meu Deus, completara o Mark. Era um filho, um irmão, um artista em sua forma mais linda e pura. Enquanto viver nunca mais vou me esquecer desse menino. Mãe, Cris, tia Mariquinha, mortos da minha vida, nunca pedi nada a vocês mas agora vou pedir, por favor se puderem aí em cima conversem com ele, recebam este garoto com os braços abertos e cuidem dele por mim.

woensdag 19 september 2012

O amolador de facas

Não sei se isso só acontece comigo ou com todo mundo, mas os melhores encontros nesta vida acontecem puramente por obra do velho acaso. A gente fica tentando planejar este destino que so pertence à Ele, ensaiar nossas bobagens em frente ao espelho de imagens retorcidas. O futuro não existe, o passado não volta, apenas o presente deveria nos interessar. Fazer as coisas com todo amor e consciência, ajudar o próximo e algum distante. Ontem amanheci inspirado e resolvi escrever alguma poesia. Não sou escritor e só escrevo mesmo quando me der vontade, o que é uma liberdade incrível. Mas estava aqui caprichando nas minhas rimas tolas quando a campainha tocou. Era um velhinho desconhecido com o cabelo todo tingido numa cor caju desbotada. Eu assumo que era tingido pois o bicho deveria estar beirando os oitenta. Carregava entre os dedos um monte de tesouras e facas de cozinha, as quais abanava no ar com um leque e gritou em holandês quase ininteligível, pelo menos prá mim: amolador, amolador, faca, tesoura, cortador de grama prá amolar, senhor? Quando o vi acenando aquelas lâminas afiadas num reflexo quase bati a porta na cara dele. Mas ele era amolador de verdade, desses que já fazia quase meio século que não tinha encontrado mais nesta vida. Resolvi dar o velho cortador de grama prá ele afiar. Vinte e cinco euros! Mas não sei porque fui com a cara dele e como estava de bom humor resolvi ajudar, coitado. Pois ninguém sai por aí pelas ruas amolando facas apenas por esporte e prazer. Quando ele viu os violões pendurados na parede, perguntou se eu tocava. Falei que sim, que gostava de música. Ele abriu um sorriso enorme, dava prá ver aqueles araminhos da ponte-móvel dos molares escondidos lá no fundo. "Eu adoro música, principalmente jazz!" continuou firme no seu idioma pátrio, que era uma mistura de holandês com um dialeto daqui de Groningen quase impossível de se entender. Ihh, o velho tinha o papo comprido, com o cortador de ponta-cabeça, examinando as lâminas, e bocejando um oh, oh de desaprovo ele continuou com a estória do jazz. Parece que conhecia todo mundo, Coltrane, Bird, tinha os discos do Django Reinhardt, do Miles. Enfim ali cedinho, sob a grama ainda molhada pelo orvalho da madrugada, aquele desconhecido amolador entrou por alguns instantes na minha vida, veio fazer parte de minha estória. Como este fim de semana vou tocar num festival que se chama Music-Art aqui num hotel do vilarejo, perguntei se tinha interesse em ir, falou contente que claro que iria, e com muito prazer, se desse levaria até a esposa. Tirei da carteira um cartãozinho meu com o nome da banda, email, telefone, etc e um ingresso, que custa 12,50 euro na porta, 10 euro com antecedência. Como o conserto do cortador ficaria em 25 pedi desconto e tudo acabou ficando por 20. Naquele instante não pude deixar de pensar da ambigüidade estranha das coisas pois finalmente teria esta oportunidade quase única de trocar um concerto por um conserto. Mas não quis tirar vantagem dele, embora 25 euro acho caro demais. Mas tenho certeza que ele vai aparecer sábado lá no hotel, vou até reservar duas cadeiras na primeira fileira, pro meu novo amigo amolador.

Eu queria estar em Londrina

Prá me encontrar com você, passear pela neblina leve o velho Calçadão em greve Ipês arroxeando avenidas repletas de desencontros assim como nossas vidas, mil primaveras passadas pétalas meio amareladas, o tempo a desflorescer... Queria estar em Londrina, sentir a terra vermelha queimando sob meus pés, dar uma corrida no Zerão, depois tomar uma gelada qualquer bar, do Carlão, talvez nem existam mais essas coisas que a vida leva, modifica ou desfaz, hoje estou sonhando meio acordado, todavia este meu passado que nunca pensa sequer em querer passar... Eu queria estar em Londrina, ver a Banda do Vitão tocar um jazz prá me enjazzear o coração deslocado por esta distância que existe entre a gente, ó mundo endoidado, te dar um beijo na testa, nem precisava ser na boca porém confesso a minha hoje um pouco louca de saudades misturadas com o tesão da mocidade que nos apaixonou prá logo depois abandonar... Eu queria estar em Londrina, prá ficar parado só ouvindo um Bem-te-vi assoviar bem alto lá de cima do poste da Copel, meu sobressalto sentir o sol nos bronzear, um chuvisqueiro breve, uma gota na minha língua qual neve me derretendo a alma, o arco-íris, a lua cheia nem tudo isso me acalma, hoje eu queria estar aí em Londrina mesmo que por um instante só prá dar tempo de te dar um abraço...

zondag 2 september 2012

Coisas bobas que a gente se lembra de vez em quando

Tomei uns vinhos, confesso hoje bebi demais. Não sei porque eu bebo assim desse jeito, acho que isso está gravado prá sempre no genoma da gente, meu pai o velho marocão também era um baita de um bebum. Resolvi ascender lá fora no jardim uma fogueira, usando os galhos que havia cortado de uma árvore imensa que estava fazendo sombra demais. Sombra é uma coisa legal quando se tem bastante sol, mas aqui na Holanda o velho sol só aparece de vez em quando e qualquer raiozinho vale o quanto brilha, por assim dizer. Quem nunca sentiu isso não sabe do que estou falando mas quando a gente sabe que o sol vai raiar o dia inteiro, ou depois de alguns dias de chuva ou de inverno ele vai aparecer novamente queimando forte; aqui na Holanda é diferente, quando o sol aparece a gente tem que aproveitar ao máximo cada minuto do dia, pois depois ele desaparece e as nuvens vem cobrir este planeta. Como alguém já disse uma vez "o teto é bem baixo" neste país, ou seja, as nuvens são bem fortes e carregadas, cobrindo os céus deste país pequenino, todavia tão intrinsecamente complicado. Aprendi a falar o holandês, o que já é uma conquista imensa em si mesma. Dou os meu foras volta e meia, outro dia alguém me perguntou as horas e eu mandei o sujeito virar a esquina e seguir em frente até encontrar um posto de gasolina! O holandês é um idioma complicadíssimo, porém vou aprendendo com os meus filhos que me corrigem diariamente nas minhas gafes. Sou gafioso, sempre fui, acho que sempre o serei, me lembro de uma vez quase quarenta anos atrás quando fui visitar o compadre "peitudo". Compadre peitudo era uma amigo do velho Maroca meu pai. Um italianão enorme de quase dois metros de altura, todo musculoso e brabo que nem ele só. De brincadeira minha mãe apelidou a fiel esposa do peitudo de "comadre peituda", e era compadre peitudo prá lá, comadre peituda prá ca, eu no meio levando a minha vidinha de moleque pobre de interior. Um dia fomos visitar o compadre peitudo. Fomos de ônibus circular pois meu pai acho que com as bebedeiras dele jão não dirigia mais autómóvel. Quase quarenta anos já se passaram e ainda me lembro da jaqueira. Umas jaconas enormes quase que pré-históricas penduradas perigosamente nos galhos fininhos e retorcidos queimando ao sol quente da Alta Sorocabana. O compadre peitudo apareceu sem camisa, com quase seus dois metros de altura e o peito todo peludo e cheio de músculos, parecia um desses alterofilistas que a gente encontra por aí. Pensando bem aquilo não era normal, aquele compadre devia tomar anabolisantes prá ficar forte daquele jeito. Isso porque eu faço meus exercícios diariamente mas a minha patola não cresce nem um centímetro com todo esforço que faço, pelo contrário volta e meia me dói algum estiramento muscular. Mas o peitudo era um italianão muito forte e pelo jeito fodidão de matar, senti que o velho Maroca tinha respeito por ele. Fiquei esperando a comadre, que devia ter uns peitões enormes, muito maiores ainda, lembrando das conversas de minha mãe. Foi quando vindo das sombras uma senhora magricela apareceu com uma galinha de ponta-cabeça debaixo do braço. Se não tivesse sido a nossa inesperada visita aquela penosa já teria caído em alguma panela. Quando nos viu soltou a coitada da galinha no terreiro, que fugiu como louca cacarejando ao encontro da segurança das asas de algum galo. A velha era feia, de óculos fundo de garrafa, cabelo meio vermelho sei lá eu se era tingido ou não. Mas era uma tábua e não tinha peito algum. Confesso, fiquei muito decepcionado, dessas decepcões que a gente tem na infância da gente nesta vida. Na minha imaginação esperava a comadre peituda assim como uma Sophia Loren, um tipo de musa, uma fonte de inspiração para as minhas punhetas. Quan ela apareceu não me contive e gritei bem alto, até o compadre se assustou um pouco; "Mãe, mas comadre peituda não tem peito nenhum, pô!!"

woensdag 29 augustus 2012

Desconhecidos

Versos tortos, perdidos em alguma gaveta da vida, poetas mortos, poesia porém jamais esquecida, tanta gente anda por aí, a rimar o já quase inrimável...

dinsdag 21 augustus 2012

Dúvidas

Apaga essas rimas tolas que escreves assim sem pensar! Não apago nadinha, a liberdade é meu vento, meu céu, meu mar! Poeta de verdade não foste,nem serias, sequer jamais! De mim não me escondo, nem curvo este ombro, meu pouco eu aumento, em versos me invento!!

Apenas rimas

Mais uma rima, passou prá me dizer o amor combina, cafona, demodé nos olhos de quem vê, sou eu, nós dois, você, o mundo agora, nossa! como eu ando meio outrora, quero hoje e amanhã bem coloridos, de sol e chuva, arco-íris, lilás e verde, azul-marinho, meu preferido, lindas melodias assovidando bem dentro do meu ouvido, ainda quero ser rimas tolas sem sentido, que passam rápidas pela gente, tal qual a vida assim de repente, abraçando o aqui, o longe ausente, nem faz sentido, mas me faz contente...

maandag 20 augustus 2012

Bonjour

Que pena, as férias terminaram. Pela primeira vez na vida dei uma de turista com prazer, até o chapeuzinho azul que um dia comprei lá nas lojas tubarão do Mirtão entrou na dança. Passei quase três semanas com ele na cabeça sem lavar. Banho só na beira dos rios, La Moseille em Champagne, quase acampei em Samois sur Seine, vilarejo onde o maior guitarrista deste mundo morou e infelizmente faleceu, Django Reinhart que Deus o tenha. Adorei o Dordogne, que rio maravilhoso. A França é um país lindo demais, acho que me faz lembrar do Brasil, da minha Alta Sorocabana, do meu Norte do Paraná, só que menos favelas e mais castelos. Se bem que vi gente pobre pedindo esmola nas ruas de Fontainebleu. A pobreza sempre foi uma coisa que me deixava triste, não sei porque até hoje quando vejo algum pedidor de esmola me bate uma coisa, um nó no coração. Talvez tenha sido por isso que um dia deixei com o meu coração todo emaranhado de máguas o meu país prá trás. Confesso que às vezes me sinto assim meio traidor da pátria amada, pois na minha juventude emigrei prá Europa e nunca mais voltei. Duas vezes tentei voltar, quem leu as histórias absurdas lá da chácara sabe bem o quanto tentei. Mas infelizmente ou felizmente nesse meio tempo virei holandês e é engraçado as mesmas lágrimas me rolam na face quando ouço e canto altaneiro o Ouviram do Ipiranga quanto o Wilhelmus van Nassauwe. Um dia desses vou falar da Holanda, do meu amor a este minúsculo país. Mas a velha França está devagarinho tentando me seduzir. Comprei um dicionário holandês-francês e saí pelos campings soltando o meu bonjour prá quem aparecesse pela frente. Passava o dia debaixo das árvores olhando o horizonte se perder de vista e tocando bem baixinho o meu violãozinho. Quando dava uma vontade de dar uma mijada levantava da cadeira de praia e saía rumo ao banheiro coletivo dando bonjour prá quem encontrasse pela frente. Os outros holandeses bobos que também apareciam por lá acho que pensavam que eu era francês de verdade e caprichavam ao máximo no bonjourzinho mixuruca deles, mas o meu eu aprendi assim meio de ouvido e a entonação correta é de uma musicalidade impressionante, eta idioma lindo, um simples bonjour soa aos meus ouvidos como uma canção de amor. Bom dia também é legal de dizer, em holandês goede morgen, mas não são a mesma coisa nem de longe. Acontece que voltei apaixonado pela França. Tem uma amigo meu o Renezão que largou tudo e foi morar em Limoges. Largou tudo numas, ele não tinha nada. A última vez que vi o bicho ele estava doidão carregando uma banheira que tinha encontrado em algum lixo em alguma calçada na cabeça. O lixo daqui da Holanda é absurdo de rico. Os lixeiros do Brasil acho que iriam fazer a maior festa, deitar e rolar, tem computador quase novo, telefone celular, bicicletas ainda boas de usar, no caso do Renezão uma boa banheira. Parei o carro, desci e fui ajudá-lo a levar a tal banheira pro apartamento dele no terceiro andar. Não tinha elevador e aquela porra daquela banheira era grande e pesada demais. Paramos no primeiro andar prá descansar, ambos vermelhos e ofegantes. Renezão acendeu um cigarro, que pelo cheiro devia ser maconha das braba, ô velho maconheiro do cacete. Com as pupilas quase pulando prá fora e um sorrisão gostoso virou prá mim e me ofereceu aquela bituca toda babada. Disse que não e agradeci o gesto todavia. A última vez que dei uma bola foi nos tempos de universidade e parece que foi em outra vida de algum universo paralelo a este. Quando chegamos a terceiro andar os braços doiam, as pernas latejavam, a velha banheira quase que não passava pela porta. Deu trabalho, quebrou uma ponta e um bom pedaço da torneira mas enfiamos a bicha bem no meio do corredor. A minha tarefa estava cumprida e ele que se virasse dali prá frente prá ajeitar aquela coisa no banherico dele. Na sala escurecida tinha uma senhora de uns 65 anos com uns pincéis e muita tinta espalhada pelo chão. Nas paredes dezenas de quadros mal pendurados secando que pareciam ter recém-saídos de alguma creche. -Giuliette! Ela é francesa! Me apresentou Renezão todo cheio de orgulho. A velha me deu um sorriso e deu a pincelada derradeira nuns girassóis que mais pareciam umas couves de Bruxelas amareladas. Veio pro lado dele e falou quase cantando em inglês: "Do you like, René?" Ele resmungou que sim mas tinha muita pressa, pegou o pincel e assinou a obra-prima dela com a mão esquerda bem tremida; René Boulangé. Quando cheguei mais perto prá ler a assinatura Giuliette estava quase terminando de pintar uma outra couve parecidíssima com a primeira, e a segunda, terceira, etc. Renezão meio sem jeito me explicou que iria fazer uma exposição numa galeria bem chique naquela tarde mas ele só tinha dois quadros dele e Giuliette estava dando uma mãozinha.

dinsdag 26 juni 2012

Junkie virtual

Quando a gente começa muito a falar do passado, lembrar de coisas perdidas na memória e nas brumas do tempo assim como eu, acho que é um sinal de que estamos ficando umn "pouco" velhos e se embalando nas redes de nossa gostosa nostalgia. Nostalgia às veze é gostoso, que nem chocolate, tem endorfinas. Gosto de chocolate, só não como muito porque me dá dor de barriga. Tenho a impressão que o ser humano passa a vida quase toda dele à procura das coisas inversossímeis do futuro. Todavia, muitos infelizmente se esquecem de viver o aqui e agora deste presente tão lindo. Chega uma hora que inevitavelmente queremos voltar à simplicidade do passado. Porque prá mim o passado representa simplicidade que só um passado pode trazer. O presente é complicado, o futuro pelo jeito vai ficar mais ainda. A juventude está se "estrumbicando" como dizia o Chacrinha, de tanto se comunicar. Os celulares de hoje são como um novo membro incorporado, como uma continuação do próprio corpo e mente. Não deixo de notar que às vezes procurarm por ele nos bolsos ou nas bolsas e tal qual uma dependência tóxica se não encontrá-lo parece que os coitados tem um "cold turkey". Penso que o poder absurdo desta tecnologia toda nas mãos do povão, por se assim dizer, são como uma bomba prestes a estourar. Nunca fui bombardeado nesta vida com tanta bobagem, nonsense moderno atual como no facebook. Juro, me dá vontade às vezes de largar tudo e ir morar no mato na beira de algum rio que nem o o velho Chicão meu tio. Sem celular, sem telefone, sem televisor, sem computador. Mas infelizmente fica só na vontade, pois cá estou eu novamente, velho junkie com os dedos tremendo sobre as teclas do meu laptop.

zondag 24 juni 2012

A minha Chácara Nr 13 (capítulo final)

É sempre difícil dar um adeus, ter que encerrar uma fase na vida da gente. Até mesmo terminar de escrever a última página desta minha estória, que por pura coincidência do destino ficou sendo o capítulo nr. 13, mas não sou supersticioso. A minha supersticiosidade ficou enterrada comigo lá naquela chácara junto com as minhas galinhas francesas botadeiras e minha esperança de um dia ter sido agricultor ecológico. A idéia até que era boa, mas não foi prá frente, um pouco pela economia do nosso querido país que estava uma merda, outra pelos contratempos acontecidos comigo naquele lugar "mal-assobrado". O meu dinheiro de reserva estava acabando, e como não entrava nenhum apenas saia vazando prá todo lado como um saco de areia furado. Aquilo era um poço sem fundo. Mas fico contente por ter purificado aquele lugar, tirado as más energias de lá. Ficou limpinha, rastelada, varrida, com o pomar cheio de frutas e os troncos todos pintados de branco. Fiz com as minhas próprias mãos um enorme portão de madeira que envernizei todinho, fiz uma arco em cima e plantei já grandes de primaveras floridas. Ficou uma coisa linda. Coloquei-a à venda naquela sessão de chácaras e sítios da Folha de Londrina de domingo e fiquei esperando. O meu celular não parava de tocar e como os interessados nunca iriam achar aquele lugar escondido naqueles confins eu marcava de encontrá-los em frente ao Shopping do Catuaí e leva-los até lá. Depois do terceiro comprador eu já estava me parecendo com aquele corretor do primeiro capítulo, o João Telefone. Sorria, falava rápido, mostrava apenas as coisas que queiria mostrar, salientando as partes positivas, as benfeitorias, o asfalto que dentro em breve iria chegar por lá. Apareceu um japonês com um caminhãozinho fedido de bosta de galinha. Nem olhou o meu portão, as primaveras floridas, a horta, o pomar. Ficou lá no meio do meu gramado fumando um cigarro de palha, acocorado pensando. Falou que se eu abaixasse o preço ele comprava, mas foi sincero, disse que iria derrubar o pomar, acabar com a horta e fazer um depósito de esterco bem no meio da chácara. Fiquei imagindando aquilo, o monte do tamanho do Everest de merda de galinha fedendo e atraindo moscas varegeiras bem no meio daquela chácara. Como estava precisando do dinheiro e queria voltar com a família prá holanda confesso que levei em consideração a oferta dele. A mulher do seu Benvindo é que iria adorar aquele fedor ventando pros lados da cozinha dela. Depois veio um outro advogado com cara de bicha e todo perfumado me ofereceu a metade do preço que eu pedia. Levou o filho, um gordinho de óculos com a camisa nr. 10 do Palmeiras com cara meio de viadinho também. Ficaram ambos com uma bola de capotão novinha em folha controlando-a, ou melhor descontrolando-a, pois eram ruins de bola, bem do lado de minha horta. Se quebrassem algum dos meus pés de tomate eu dava uma porrada neles, me deu um trabalhão da porra prá cuidar daqueles tomates que estavam charregadinhos e tinha até precisado fincar uns bambus em volta e amarrá-los senão caiam pelo chão sob o próprio peso de seus enormes tomates suculentos e maduros. O viadão foi embora junto com o viadinho mas no outro dia voltou com a mulher. A esposa dele, uma loirinha oxigenada com cara de vagabunda nem me deu bom dia. Entraram pela chácara como se já fosse deles. Desta vez estava de terno e gravata, acho que prá me impressionar e teve a pachorra de assinar um checão e esfregar na minha cara. Queria bater nele, mas lembrei do João Telefone, corretor bom de verdade nunca fica bravo, pode até queimar por dentro, mas por fora tem que ser só sorrisos. Nunca se sabe onde a coisa vai dar. Na minha cabeça eu sabia que não venderia a minha chácara a ele, se eu tivesse que acabar vendendo então voltava lá na Dona Rosa e pedia prá ela fazer um trabalho bem dos fodidos e trazer de volta pelos menos a velha escrava por uns tempos prá assombrar um pouco a vida daquele pseudo-grãfino de uma figa. Enfim, deu prá notar, não fui com a cara dele. Eu devia ter recebido com ele falando em holandês, ou inglês, idiomas que falo perfeitamente. Nem peguei o cheque, gentilmente falei que iria pensar no assunto, mas mostrei o caminho do meu portão, que o fechei num sorriso diplomático desconhecido até então em mim. O Mirtão se estivesse ali iria ficar orgulhoso de mim, dei uma de perfeito corretor de imóveis. Mas duas semanas se passaram e muita gente veio olhar mas infelizmente ninguém comprou. O mato já estava querendo crescer de novo e afogar o meu pomar. Paguei pro Chico Bento capinar. Anunciei no domingo mais uma vez. Quando já estava quase desistindo recebi um telefonema de um rapaz. Ele veio nun corcel 2 com a esposa e a sogra junto. A velha deu uma voltinha pela horta, arrancou distraída um tomate maduro e comeu, passou pelo pomar e foi sentar à sombra da jabuticabeira que estava carregadíssima. Ficou lá, comendo jabuticabas e se abanando do calor. A primeira coisa que o moço me perguntou era onde eu amarrava a minha rede, eu nunca tinha amarrado rede nenuma, só trabalhado duro, pesado mesmo, naquela horta e naquele pomar. Mas dei uma de Migué e mostrei os dois abacateiros perfeitamente alinhados em simetria, com os troncos bem grossos, perfeitos prá tirar umas sonecas em cima de uma rede. Ele ficou feliz, coitado, se imaginou dormindo e sonhando os sonhos dele. A mulher olhou cada centímetro de chão e finalmente fez um sinal que aprovara. A velha derriçava minhas jabuticabas sem o menor pudor. Queria que desse dor-de-barriga e ela se entalasse com elas prá ver o que é bom. Mas prmeiro eu tinha que fechar o negócio, então sorridente virei prá velha e perguntei se não queria tomar uma água da mina. Mostrei o caminho e o rapaz foi lá, acho que prá fazer moral com a sogra, buscar uma garrafa d'água cristalina. A velha agraceceu num sorriso. Pensei cá comigo este peixe estava fisgado, agora era só trazer com cuidado prá perto do barranco e não deixar escapar. Felizmente ele não me escapou. Queria assinar o contrato ali na hora mesmo. Ainda me disse que a chácara era prá sogra, que iria ficar morando e cuidando. Fiquei imaginando aquele velha solta ali no meu pomar. Do jeito que comia vorazmente as minhas jabuticabas iria acabar com tudo. Não sobrariam nem os limões galegos. Mostrei os documentos e marcamos de nos encontrar num tabelião conhecido prá efetuar a venda e a papelada envolvida. O único problema é que ele queria depositar na minha conta, mas eu nem tinha conta em banco, pagava tudo em dólares que tinha trazido da holanda e ia trocando nas casas de câmbio semanalmente. EScreveu um cheque enorme de zeros, nem me lembro mais o valor, mas era dinheiro prá cacete. Fui à uma agência do Itau. Entrei e falei que queria em dinheiro. O caxia assustou; "Mas o senhor vai querer levar isso tudo em dinheiro?" Falei que sim. Ele foi chamar o gerente, que me levou a uma salinha ali do lado e me explicou que não tinha aquele dinheiro todo na agêncinha dele, era melhor eu depositar aquilo numa poupança. Expliquei que eu iria trocar por dólares e emigrar prá Europa. Ele pensou que eu estava louco de levar aquilo tudo, iria ser roubado na rua. Fiquei com um pouco de medo, mas não tinha outra solução. Voltei no outro dia e levei um balconista da loja do meu irmão prá me ajudar a contar a grana e carregar. Entramos os dois de bonezinhos prá não sermos reconhecidos lá fora pelos bandidos, pilhas e pilhas de dinheiro estavam em cima daquela mesa. O coitado do rapaz balconista nunca tinha vido danto diheiro amarrado em elasticos juntos. Começamos a contar, na terceira pilha aquilo me encheu o saco, deve estar tudo certo, se faltar cinquentão não vai fazer falta nenhuma naquela hora de abundância. Fiz de conta que contava rapidamente a quarta e quinta pilha, acenei que tinha conferido tudo e zerava. O caixa principal voltou com um papel e um carimbo. Assinei, ele controlou, assinou e carimbou, o gerente careca também. Joguei tudo dentro de duas sacolas, dessas que o Mirtão levava as marmitas dele prás pescarias um saco plástico das lojas Brsileiras e apressados entramos na velha combi. Mandei o rapaz olhar prá todos os lados prá ver se ninguém estava nos seguindo. Penso que não, dei umas voltas olhando pelo retrovisor e após alguns minutos a respiração de ambos foi se acalmando. O balconista ainda me falou, "putz essa sensação é que deve ter um ladrão de banco!". Com a marmita na mão ele sorriu, só Deus sabe o que se passava pela cabeça naquele momento. Deixei o bicho em frente à loja, agradeci pela força, arranquei umas notas daquele maço de dinheiro e dei a ele. O sorriso foi até às orelhas, nem pensei direito, mas aquilo acho que era o salário de cinco meses que o Mirtão pagava prá ele. Escondi as marmitas e os pacotes, os quais fui trocando por dólares nas semanas seguintes. Infelizmente o real estava como de costume muito ruim na contação. As minhas orgulhosas pilhas foram de repente sumindo rapidamente e só ficaram uns quatro maços de dólares esverdeados, sujos e suados à minha frente. A esposa levou dois escondidos nos sutiãs, eu o resto debaixo da cueca. Fomos de ônibus da Gracia de Londrina à São Paulo. De Guarulhos direto rumo à Amsterdã. Daquela odisséia só ficaram lembranças que levo comigo, umas boas, outras mais ou menos, outras muito ruins. Mas digo aqui a vocês, quem quer que sejam, onde quer que estejam, dei os meus pulos, levei os meus tombos, mas nunca me arrependi de ter vivido estes maravilhos momentos aí em Londrina naquela chácara "mal-assombrada" FIM

vrijdag 22 juni 2012

A minha chácara nr. 12

Aquele período da minha vida não deve ter dado apenas trabalho pro santo chato da dona Rosa, mas sobretudo para os meus próprios anjos da guarda, meus protetores. Pois acho que nunca precisei de tanta proteção como ali naquela hora. E confesso que pedi ã Deus prá me ajudar, guiar o caminho, afastar de mim aqueles males todos. Tenho a impressão que aquele lugar, aquela chácara, necessitava de purificação e havia de alguma maneira esquisita, talvez sobrenatural me conduzido à ela, e ainda hoje, quase vinte anos depois, não consegui entender os porquês. Não contei prá ninguém, mas tinha a plena certeza de que um dia, quando adolescente tinha passado por ali, parado junto com um primo meu prá roubar milho-verde no milharal de um japonês. O meu primo parou o fusca velho nun carreador, abriu o porta-malas da frente e mandou a gente, eu e um outro primo meu mais novo, arrancar correndo umas espigas e jogar no porta-malas do velho fusca desbotado. A gente foi com prazer, moleque nesta idade é louco prá fazer só coisa que não presta. Ele ficou de butuca fazendo guarda e fingindo que tinha algum algum pneu furado ou qualquer outro problema mecânico no carro. Dentro de poucos minutos o porta-malas estava abarrotado, repleto de milho verde saboroso, a gente até tinha feito uma daquelas nossas apostas bobas de moleque de quem roubava mais espigas em menos tempo. Confesso que ganhei, pois era um pouco maior e mais rápido que meu priminho menor, coitado acho que não entendeu bem que era prá roubar só as que estavam maduras, embonecando como a gente dizia, com os lindos cabelos louros querendo se enruivecer, pois depois se deixar secar ficam pretos e o milho duro demais prá cozinhar. Ele tentava arrancar até o pé do milho inteiro, com raiz e tudo. Eu o deixei lá perdendo tempo pois queria ganhar a tal aposta. Quando a gente estava quase terminando a nossa derriça o japonesão apareceu brabo com uma espingarda dessas de dois canos cortados por detrás de uma fileira de milho, quase tive um ataque-cardíaco naquele momento. Corri como um louco de volta pro fusca, mas o bicho correu também e parou bem em frente, furioso com sua arma apontada pro nosso lado. Pego assim no flagra, não tinha nem como me esconder do crime, o porta-malão estava lá carregado até a boca de milho. Juro que achei que ele iria dar um tiro na gente. Ali estava eu, com um futuro enorme pela frente, tanta coisa boa ainda prá fazer nesta vida, roubando o milho alheio. Mas o japonês tirou de dentro do boné um papelzinho amassado e entregou ao meu primo mais velho, que também devia estar cagando de medo daquela espingarda apontada pro lado dele. O japonês ficou imóvel esperando, com a mão esquerda no trabuco dele e na direita um lápis preto quase sem ponta. Foi só aí que saquei que ele tinha feito sei lá como um levantamento, ou seja, contado todas as espigas surrupiadas por nós e apresentava ali a conta! Olhando o tamanho daquele porta-malas carregado a tal conta deveria ter sido enorme de grande, o japa deve ter caprichado nos juros por perdas e danos das preciosas espigas dele. O meu primo tirou a carteira do bolso e pagou. A gente foi embora e ninguém falou um "a" no caminho. Quando chegamos em casa a minha tia ficou toda feliz e fez um panelão de cural de milho verde. A gente comeu, mas não sei porque, deve ter sido a tal amargura do ressentimento, aquele doce tinha um sabor esquisito demais...

donderdag 21 juni 2012

A minha chácara nr. 11

Logo bem cedinho quando todo mundo ainda estava dormindo eu saia pelo pomar com os meus presentes. Primeiro olhava de um lado, de outro, prá ver se a mulher do seu Benvindo não estava de plantão lá na varanda dela, pois aquela velha era bisbilhoteira que nem ela só. Se me enxergasse agachado ali colocando aquelas garrafas com água no tronco das árvores e jogando aquele monte de doces pelo caminho, das duas uma; ou iria pensar que pirei na transa de vez ou estava fazendo alguma macumba prá ela. Com um olho na varanda dela e outro fixado no chão prá não pisar em alguma cobra ou aranha caranguejeira (no dia anterior eu tinha escurraçado com uma da minha horta de tomates, tentei dar umas pauladas na coitada mas felizmente ela foi mais esperta que eu e sumiu apavorada por debaixo de umas folhas mortas do abacateiro, mas era enorme de feia e peluda. Pro "aranho" dela devia ser a coisa mais linda do mundo.(Confesso tenho o maior medo de aranhas e qualquer outro arthrópodo cabeludo semelhante, escorpião então nem pensar...) Mas eu fiquei quietinho, com uma lanterna iluminando um pouco o caminho através do pomar de mexericas e distribuindo meus doces e pipocas. Jogava aqueles punhados de pipocas doces e exércitos de formigas cortadeiras emergiam alucinadas e cegas como que vindo de lugar nenhum, sentiam apenas o cheiro e mordiam com suas mandíbulas gigantescas aquelas pipocas macias e cor-de-rosas açuacaradas que eram para os meus meninos e meninas órfãos, e depois as colocavam nas costas como se fosse um saco de batatas que não pesasse nada e as levavam para os seus respectivos ninhos debaixo de algum toco apodrecido. Depois do terceiro dia fazendo minhas oferendas já estava acostumado com a cerimônia, com as formigas, aranhas escondidas e tudo mais, e eu nem dava mais bola prá mulher bisbilhoteira do seu Benvindo. Se quisesse olhar que olhasse, pensar que eu tivesse ficado louco que pensasse, fazendo alguma macumba prá ela que fosse. Pois aquelas oferendas minhas, hoje pensando bem, talvez tivessem sido alguma coisa em forma de macumba. Quando me olhei fazendo aquilo um lado meu ficou, o descrédito meio ateu, com muita vergonha, mas este outro crédulo, místico e cheio de fantasias ficou contente por estar ali ajudando alguém, mesmo que fossem do além. Nem estava mais com medo da velha escrava sentada no tronco da peroba. Ficava imaginando a velha fumando um cachimbão e agora finalmente sorrindo, comendo as pipocas e balas que eu deixava ali prá ela. Deu vontade até de deixar uma coca gelada, pois sei que velhas são loucas por coca-cola, penso que seja alguma coisa hormonal delas essa loucura de mulher por chocolates, caramelos e açúcares. Eu também era louco por doces quando pequeno, meus dentes de leite das fotos de criança estavam infelizmente todos estragados, apodrecidos e pretos pela falta de cuidado, escova e pasta de dente também. A gente era pobre e minha mãe dizia que dente de leite iria cair mesmo e os permanentes eram importante cuidar. Mas alguns de meus permanentes nasceram já meio açucarados por assim dizer. Ganhei uma ponte móvel com quinze anos, coisa absurda, sorte que minha querida irmã Cris, que Deus a tenha, trabalhava naquela época de secretária num consultório dentista e me deu uma escova nova e me ensinou a escovar os dentes direito, até a língua ela escovava com fúria. Acho que é por isso que tinha aquele sorriso maravilho que era só dela. Saudades da Cris... Saudades da minha chácara mal-assombrada, dos meus órfãos dos quais cuidei e alimentei até a Dona Rosa libertá-los de lá por mim. Só que tive primeiro que assinar mais um daqueles benditos checões meus, desta vez de 75, pois segundo ela a coisa era braba pro meu lado, e tinha que comprar mais velas, mais cachaça e charutos pro tal santo dela, que era, digamos aqui de passagem, um baita de um chato e parece que já estava reclamando um pouco do trabalho que a gente estava dando.

A minha chácara nr. 10

Isto aconteceu quase no mesmo dia em que as minhas galinhas botadeiras francesas começaram a despencar mortinhas da silva de seus respectivos poleiros de galhos de Santa Bárbara improvisados. Primeiro foi só uma, depois pluftvuup a outra e mais outra, quase todas voando desta prá melhor com a língua prá fora e cabeça, barbelas e cristas arroxeadas.
Assustei, fui perguntar pro seu Seu Benvindo, ele falou que era doença ou praga de alguém. Praga de quem? Quem iria jogar praga prá cima deste coitado aqui. Lembrei das estórias e "causos" que minha avó contava, coisas arrepiantes que aconteciam lá nas roças do interior de São Paulo nos tempos daquela velha-jovem. Eu morria de medo quando elas se reuniam e contavam umas prá outras aqueles causos cabeludos. Ficava de butuca espiando de pijamas de flanela pelos vãos das portas, só escutando e escutando aquilo tudo, depois não conseguia  mais dormir de medo e às vezes nos meus pesadelos até mijava nos lençois.
A minha preferida era uma que aconteceu com a irmã dela que tinha um namorado muito bonito. Mas parece que a mãe do rapaz não gostava da coitada moça de jeito nenhum, o problema era que a mulher também era macumbeira, e das braba. Como a velha devia ter metido muito o bico no namoro do coitado do filho, a mocinha deve ter ficado de saco cheio e deu uma dura daquelas nela, e com toda razão. Deixa o casal namorar e se amassar, fazer sacanagens do jeito que bem quiser, pô! Mas a velha tinha ciúmes demais do rapaz e era rabujenta,  assim não deixou e contava minha vó que ela fez um "trabalho" de esquerda dos feios pro lado da moça. Apareceu de repente debaixo da porta um sapo morto com a boca e a bunda toda costurada com linha preta e vermelha. Coisa de Vodu, penso eu, mas dali prá frente eu sei que a mocinha, ou seja, minha futura tia-avó que era namorada do moço, não conseguia comer mais nada ( acho que nem ser comida) nem cagar, tadinha, travou tudo durante várias semanas. A mocinha tão linda estava definhando aos poucos, morrendo lentamente um pouco por amor, um pouco por tesão, outro pela macumba da velha, mas sem dúvida uma morte dolorosa demais.
Apareceu alguém que sabia também desses assuntos (sempre aparece alguém) e fez um "contra-trabalho" da direita, ou do centro, ou da defesa, o qual acharem melhor. A moça sarou no dia seguinte. Eu, de olhos esbugalhados dentro de meu pijama de flanela, ficava torcendo pro feitiço virar pelo menos daquela vez contra a feiticeira e dar uma travada legal naquela velha verruguenta e cagona tão má. Ficava imaginando a cara dela, toda costurada e sem poder falar nem, comer nem, nem foder ( se é que alguém fosse louco o suficiente prá foder aquele velha feia!) nem mijar, nem dar as cagadonas fedidas dela. Não sei se o meu contra-feitiço pegou, mas eu sei que alguma coisa estava agora pegando em minhas galinhas botadeiras francesas. (Vai ver que era contra-contra-feitiço daquela velha cagona lá dos tempos da minha avó).
Minha filha, que estava com dois anos naquela época, brincava o dia inteiro na varanda, tinha improvisado uma cozinha e com umas panelinhas de plástico cor-de-rosa que tinha ganho de presente da tia Sueli, ia cozinhando a comidinha dela, que nada mais era do que folhas de abacateiro e pedaços de galhos secos cozidos em água embarreada. Qando a gente passava perto ela oferecia "quer um pouco, ó, bolo de chocolate!", só que falava em holandês, mas eu vou traduzindo aqui prá vocês.
Lembro bem que ela falava e cantava ( em holandês) quando estava cozinhando e brincando. O que não deixei de perceber é que quando a gente dava comida de verdade prá ela, arroz e feijão, sempre colocava um pouco nos pratinhos e conversava com outras crianças da imaginação infantil dela.
Um dia perguntei e ela me falou que "estavam com fome". Quem?. "Os meninos e as meninas", respondeu sorridente. Quis saber quem eram, quantos, ela contou nos dedinhos das mãos, mas eram crianças demais e ela só sabia contar até dez.
Quando voltei na Dona Rosa, como não tinha nada daquela casa prá levar, arranquei uma tramela pintada de vermelho de um quarto, que já estava com o prego um pouco solto e enferrujado mesmo.
Ela benzeu a tal tramela, baforou, cumpiu em cima, e depois me devolveu a tramela toda molhada. Falou qualquer coisa que o santo resmungou que era prá virar da esquerda prá direita, senão dava azar, ziquizira foi a palavra que usou, zebra penso eu, ou será que era da direita prá esquerda, nunca entendi direito aquilo. Coisa boa minha, toda vez que vejo uma tramela nesta vida fico em dúvida prá que lado deveria abri-la.
Aí me disse que enxergava uma negra escrava sentada em cima de um toco. Ela estava muito triste e chorava sem parar. Alguém tinha a chamdo e trazido ali àquele lugar, cuidado bem dela por uns tempos, mas depois todos foram embora e a largaram a velha lá sozinha sentada naquele toco de peroba que ficava em frente ao meu barracão.
Dois dias antes tinha dado uma tempestade muito forte e caído uma das Santa Bárbaras da divisa com o Benvindo bem no teto do barracão, que ficou reduzido a pó. O pior é que choveu dentro e molhou todas as coisas que estavam dentro de um baú que tinha ganho da herança da minha mãe, que foi embolorando tudo e sendo devorado pelos ratos depois daquila chuva, uma pena.
Eu juro que não contei nada prá ela, mas Dona Rosa era foda, sabia das coisas, e me disse que havia um bando de crianças famintas correndo tristemente pela chácara. Tinham muita fome e sede e ninguém prá cuidar deles.
Que eu não os enxergava, nem a velha escrava, mas um de meus filhos sim. Que loucura, meu Deus!
Lembrei das festas de "Cosme d Damião" lá em Presidente Prudente, minha mãe me levava junto com ela todo ano naquelas cerimônias no terreiro de um tal de Wanderley, que pensando bem era uma bichona muito das loucas, todo de branco com um lencinho de rendas na cabeça, e como dançava e rebolava. Mas era um festão, e acho que de graça, balas de coco, guaraná, salgadinhos, esfirras de montão, brigadeiros, todo mundo de branco, até a minha mãe, dançando e cantando ao som de uns tambores ensuredecedores quase bonitos. Acho que ela ia escondida do meu pai, pois se o velho soubesse disse acho que ficaria puto da vida com ela. Eu pegava um pratinho de papel repleto até a boca de doces, um guaranazinho e sumia lá prá fora debaixo de uma sombra qualquer. Ficava olhando aquilo tudo e pensando, porque será que gente grande se agita tanto assim, conversa um com outro tanto tanto assim, faz tanto barulho?. Essa merda desses tambores que não param. Quando acabava o guaraná ou os doces eu voltava lá prá dentro, colocava as mãos no ouvido passava rapidinho pelos tambores,  e bem devagarinho pelas dançarinas de branco, às vezes até dava uma paradinha prá vislumbrar-lhes as bundas e os peitos salientes, depois eu completava meu pratinho de papel com guloseimas e o copo de guaraná novamente. Pena que a maioria delas eram umas velhas gordas que nem sabiam dançar direito, mas tinha uma moreninha parecida com a Sandra Brea  que me deixava fascinado, sei que soquei muita bronha, afoguei muito ganso, bati muita punheta nesta vida pensando na Sandra, coitada morreu de câncer, que Deus a tenha lá no céu, atriz que era teve um grande papel nessa novela de minha adolescência perdida. Uma vez minha mãe me fez ir à tal festa vestido de anjinho, com asa e tudo. Pô, quase morri de vergonha, mas gostava demais da minha mãe, sem falar daqueles doces e da Sandra, então fui sem reclamar, só que as porras das asas eu só colocava lá na hora. E avisei,  e se aquele viado do Wanderley viesse com estória pro meu lado,  dava-lhe uns bons pontapés bem na altura do saco e o mandava tomar no cu dele. Eu não era louco prá cruzar a cidade inteira à pé com todo mundo que eu conhecia me vendo de mãos dadas com minha mãe, que me segurava firme prá eu não voar dentro daquela fantasia de anjo ridícula.
Dona Rosa me mandou dar muita comida às crianças. Era prá eu ir numa mercearia, comprar bastante doces, pipocas, balas de tudo que é tipo, e de manhanzinha antes do sol aparecer, ou ao por-do-sol, colocar debaixo de cada árvore um punhadinho de doces, e era prá não me esquecer de jeito nenhum de dar água, muita água, potável, limpa, fresca, cristalina, pois eles tinham sede. E  sorridente me pediu prá escrever outro checão de 75 desta vez, que a coisa estava braba pro meu lado e ela teria que fazer um trabalho extra pra libertar aquela criançada e a velha escrava de uma vez por todas de lá.
Fui ali na Sergipe perto do Terminal de Londrina do lado do "Camelótromo" (gosto demais da palavra camelódromo, o cara que bolou devia ganhar um prêmio por isso) comprei uns sacos enormes de pipoca doce, um monte tloberones gigantes, balas de hortelã, rim-tin-tin, prá falar a verdade também estava com saudades daqueles sabores, comi quase a metade dos saquinhos, uns refrescos dos vermelhos com gosto de groselha e plástico (com sede também tomei um) acho que não tinha groselha nenhuma, apenas muito açúcar e um montão de corantes dentro, porém lá fui eu de volta prá chácara cuidar daqueles "órfãos" famintos que pelo menos agora estavam temporariamente sob a minha responsabilidade.



woensdag 20 juni 2012

A minha chácara nr.9

Porque milhões de interrogações eu carrego sozinho pelo meu caminho, as quais paulatinamente a vida vai se me respondendo quando lhe dá vontade.
Viver é bom, sonhar acordado também. Sou um sonhador sem conserto, um romântico à moda antiga, que ainda curte Roberto Carlos, um aprendiz neste mundo que nunca vai aprender direito as coisas. Não tem importância pois vou curtindo todas elas tortas mesmo.
Um cheiro de bolo de fubá vinha lá da cozinha da Dona Rosa. O perfume daquele bolo me deixou mais interessado nele do que tudo que havia naquela alcova com santos coloridos, vasos de "comigo ninguém pode", oferendas de frutas, bananas, melancias, frutas do conde, velas de tudo que é tipo queimando acesas num tipo de altar. Nem o olhar perdido no tempo e no espaço da Rosa me tirou de meu sonhos "fubáceos" ela agora fumava um charuto e brincava tal qual criança com umas conchas e ums rosários que ia jogando em cima da mesa, murmurando e rindo.
Deu umas baforados bem em cima da cueca zorba do Mirtão, como eu estava ali do lado dela naquele quarto subterrâneo fechado quase me engasguei com aquela fumaceira toda.
"Esse aqui é osso duro de roer!" eu uma risadinha e apontou prá zorba.
Depois virou pro meu lado, baforou bem em cima das camisetinhas das crianças, da esposa, de mim.
Me deu ali na hora um tipo de um passe, baforando sem parar e me esfregando as costas com uns galhos bem fedidos que deveiam ser de arruda pelo cheiro. Ela me disse que  eu estava muito "carregado" e as coisas estavam dando errado demais pro meu lado. Mostrei o corte e a cicatriz na careca. Ela esfregou com cuidado a erva fedida, baforou  e deu uma cuspida em cima. Fiquei ali meio estupefato olhando a fumaça subir pelo teto à procura de alguma fresta prá sumir pelo céu e ir de juntar aos milhões de outras fumaças deste planeta.
Como tem fumaça neste mundo meu Deus. A poluição ambiental é uma das coisas que me deixa muito triste, pois estamos acabando com todo verde desta Terra. "Piromânicos sapiens", queimando e derriçando tudo que é de bom e natural pela nossa frente, depois cobrindo aquela modernidade desértica que fica com concreto, asfalto, plástico, entulhos de nosso progresso melomaníaco e sem tamanho.
O doce perfume do fubá me acordou de meu sonho. Pressenti um cafezinho gostoso ali saindo na horinha. Uma leve brisa com cheiro de café, fubá e erva-doce que vinha lá da cozinha pairava pelo ar. Saudades dos bolos que minha mãe fazia, de fubá mimoso, de mandioca, de banana, aquela velha inventava as coisas que nem ela só, e era econômca, utilizando além da farinha em sacos de estopa que era baratinha, os ovos das minhas quase trinta galinhas índias que ciscavam pelo nosso terreiro, as coisas que o nosso pomar fornecia. Acho que até bolo de tamarindo eu já andei comendo quando criança. Boas lembranças. Gosto de escrever minhas lembranças, principalmente as boas.
Dona Rosa me chacoalhou com uma baforada do charutão dela. Tinha uma voz muito rouca, quase de homem, talvez fosse a voz do "santo" que baixara nela ou seria simplesmente de toda aquela nicotina acumulada pelo passar dos anos.
Assim meio enigmática me perguntou se eu queria saber de mais alguma coisa.
Falei que sim, claro, pô, estava ali e iria ter que pagar no final pelo serviço.
Quando toquei no assunto da chácara ela arrepiou, tussiu, pigarreou, até peidou, parece que iria ter um troço ali na minha frente.
"Meu filho, o que ocê tá fazendo naquele lugar, ó meu santo?". Tirei da bolsa  uma foto do meu lindo pomar e da minha horta que havia recém-revelado pra mandar pro resto da família.
O "santo" teve quase um chilique, pois ela pulou da cadeira, derrubou uma vela, quase caiu. As trêmidas mãos seguravam as duas fotos e os olhos por detrás das lentes dos óculos não acreditavam nas imagens que agora enxergavam.
"Meu bom Deus menino!", fez um "cruz-credo" duas ou três vezes e murmurou um tempão umas rezas que não entendi direito. Depois virou pro meu lado e disse:
"Sai logo de lá, hoje mesmo, se puder, vai embora com a tua esposa e teus filhos, volta pra tua terra!". "Isto não é lugar prá vocês!".
O sotaque dela, ou do santo, era meio nordestino e tive que fazer um pouco de esforço pra entender o que diziam e onde querim chegar com aquela estória.
Finalmente ela me contou que aquele lugar, muito antigamente no tempo de mocinha dela, havia sido um terreiro de macumba dos brabos, frequentadíssimo e que tinha muita coisa ruim enterrada por ali.
Lembrei das garrafas de cachaça, das carroçadas do Chico Bento e dos cacos de vidro que eu tirei junto dele daquele chão, dos ossos, das velas...
Um arrepio me subiu pela espinha. Fiquei arrepidado de cima em baixo, com o pelo dos braços, da nuca, acho que até do saco,  todos em pé, em prontidão à toque de bateria prá sumir dali como um raio. Mas fiquei, e ela me contou alguns pormenores da estória dela que agora compartilho um pouco com vocês. Acho que contente por eu ter vindo até ela, a velhinha acendeu um outro charutão, outra vela vermelha, roxa, amarela, deu uns suspiros e terminou de súbito a sessão. Só que era prá eu deixar um cheque de cinquentão prá comprar os bregos prá fazer as oferendas dela. Titubiei, detesto assinar cheques, mas como com essas coisas do além a gente não se brinca, peguei o talão do antigo Banespa, arranquei uma folha, preenchi e assinei.
Ela me deu um abraço e encaminhou sorridente à porta segurando o meu cheque na mão. Uma senhora grisalha de havaianas dessas amarelas nos pés e um lenço bem branquinho de rendas na cabeça, esperava lá fora a hora dela junto com a filha que pelo jeito estava grávida. Disse o meu 'boatarde!" efui-me embora muito do cabreiro com aquilo tudo. Ela ainda por cima me pediu prá voltar o mais rápido possível, trazendo alguma coisa daquela casa da chácara prá ela benzer. Ainda um pouco abalado por aquelas notícias meio escabrosas eu sei que acabei me esquecendo foi da zorba do Mirtão, que ficou perdida lá em cima da mesa, do lado daquele caboclo de gesso preto o "vira-mundo" e um índio velho com cara de brabo...




dinsdag 19 juni 2012

A minha chácara nr. 8

Esta estória aqui que estou escrevendo da chácara era prá ser uma estorinha dessas contadas rapidinhos dentro de uma página ou duas no máximo, mas sabe como é, como papo vai papo vem, uma coisa vai levando à outra, lembranças dos detalhes ocultos vão assim surgindo das brumas daquele passado distante prá se desvendar num segundo aqui à minha frente.
Quando levei a postada achei que precisava era me benzer. Comentei com o Mirtão, o qual que ficava todo fim do dia esperando voltar da loja dele. Ele nem precisava mais telefonar, exatamente às 17.25h eu colocava as Brahmas chopp dentro do freezer. Se ele demorasse um pouco mais do que de costume abria antecipadamente uma gelada prá tomar junto com a esposa, que sei que também curtia bem aquelas merecidas horas de lazer. Quando o portão elétrico do quintal como num "Abra-te Sésamo" apitava e subia rangendo os seus dentes de metal, a Parati aparecia e estacionava perfeitamente numa brecha entre os pilares brancos da garagem. Não sei como ele conseguia estacionar assim, sem manobrar nem nada, tchabum direto entre os pilares, uma vez eu medi e ficava menos de meio palmo de cada lado dos retrovisores.
Não sei porque presto atenção nestas coisas bobas, acho que porque talvez sempre fui um péssimo  motorista. Como tenho vergonha de ficar manobrando infinitamente pelas vagas apertadas desta vida e dando os meus vexames, só procuro as bem espaçosas nas quais estaciono com toda segurança e quando não tem ninguém olhando por perto. Tinha um pouco de inveja das manobras do Mirtão, grande motorista, grande irmão. Fiquei um tempão com a família hospedado na casa dele antes de me mudar práquela bendita chácara.
Mas me mudei e agora estava precisando me benzer. A minha cunhada chegou do trabalho e entrou no meio da estória. "Tem uma benzedeira, a Dona Rosa, que fica ali atrás do antigo Vitorino, cê sabe aquele estádio antigo do Londrina em frente à rodoviária". Como não ia saber, quando criança assisti muito jogo do LEC nas arquibancadas daquele estádio, um dia até uma final memorável acho que no campeonato paranaense contra o União Bandeirantes. O juiz quis dar um penalty nos últimos minutos do jogo contra o União e o dono do time, um tal de Meneguel ficou muito puto. Gritou lá do banco, "Se colocarem essa bola na marca do gol eu tiro o revólver e acabo com ela. Aqui ninguém vai cobrar penalty nem nada!". Penso que depois disso ninguém teve mais a coragem de cobrar. A polícia apareceu, deu zebu, aquele time do deixa-disso entrou em ação, foi um fuzuê danado. Moleque adolescente eu adorei aquele jogo, pena que não me lembre mais quem ganhou. Torcia pro LEC, mas acho que o União merecia.
Mas eu fui à benzedeira. Levei umas roupinhas das crianças, uma camiseta da esposa, e escondido dele, uma cueca zorba do Mirtão que minha cunhada sorrateiramente empilhou entre as outras.
Se não ajudar pelo menos não atrapalha. Fui sozinho, dirigindo e procurando ler os nomes das ruas. Naquela época não usava óculos e isso era bem mais fácil. Hoje em dia é um tal de põe óculos, tira óculos, coloca o errado, com esse não enxerga longe, com o outro não enxerga perto, perde o bifocal, acho que vou acabar é pondo lentes. Óculos prá mim é como uma dentadura dos olhos. A esposa comprou um livro de um tal de Dr. Bates que em holandês se chama Natuurlijk zien ( enxergar naturalmente).
São exercícios bolados por ele que se a gente fizer direitinho a visão volta ao normal (?!), segundo o Bates pelo meno. Os comentàrios do prefácio eu já li e dizem que funciona. Na capa verde tem um balãozinho colorido, um vulcão com o topo coberto de neve, um girassol, árvores, um caminho de terra, um palanque de madeira com uma teia de aranha grudada nele, uma cerca da mesma cor das margaridas e uma boroboleta bem bonita azul voando livre pelo ar. Penso que a borboleta seja um símbolo da nossa visão, a liberdade de se enxergar com os próprios olhos este mundo tão lindo ao nosso redor.
Como infelizmente não encontrava a casa da dona Rosa, tive que ir perguntando prá quem encontrasse pela frente. Depois de perguntar várias vezes e obter diferentes trajetórias deparei com uma velha gorda de vestido estampado varrendo e jogando água tranquilamente na calçada dela. Esta é a última chance, pensei,  se a gordona não souber eu volto prá trás sem me benzer mesmo. Já eram quase 16 e 15 minutos e estava pensando nas Brahmas do freezer do Mirtão. Ela me abriu um sorriso, encostou a vassoura de piaçaba e cordialmente me indicou o caminho. Ficava ali pertinho, passando aquele buracão, virando à esquerda, depois à direita, e à esquerda de novo. Agradeci, tomei um gole d'água de mangueira e fui embora.
Quando lá cheguei notei que haviam várias plantas de nomes conhecidos por mim. Do lado do muro "comigo ninguém pode", montes de espada de Adão, Arruda, moitas de capins diferentes, Samanbaias esquisitas por entre bonequinhos de gesso que pareciam anjinhos sem asas. Tive a impresssão que um deles ficou me olhando fixadamente pelas costas quando entrei.
Ouvi a voz de um homem lá dentro conversando com a Rosa.
Fiquei ali de pé na minha, um pouco encabulado, um pouco arrepiado com aquele olhar do anjinho sem asas, apenas esperando a minha vez, com o saco plástico de roupas dobradas e a cueca do Mirtão firmes debaixo do braço.
De repente não me sai de lá o vendedor de mudas. Dele comprara as tais mudas de uva que paguei um dinheirão e não foram prá frente. Ele fingiu que não me reconhecia, mas eu perguntei "O sr. é o vendedor de mudas, não é?". Um pouco contrariado, acho que mais com vergonha por também estar ali se benzendo, ele respondeu que sim. Eu disse que foram tudo pro brejo, nenhuma pegou. Ele murmurou "talvez o calor" e com um sinto muito meio sem graça foi-se embora.
Dona Rosa estava esperando na porta. Entrei. Ela ainda me disse, "O sr. conhece esse coitado?". Disse que era o meu vendedor de mudas, e que infelizmente as ditas cujas das uvas dele não foram prá frente. Ela balançou a cabeça como que sabendo a resposta prá todos aqueles meus porquês.

A minha chácara nr.7

Eu sempre fui, pelo menos aqui dentro do meu modo de ver, um cara bem sossegado, todavia de vez em quando pinta uma e outra obstinação com alguma coisa. Minha esposa fala que então fico parecendo um desses "pitbull", daqueles cães que mordem e não querem e nem podem largar mais a vítima. Ouvi dizer num programa do Discovery que as mandíbulas deles dão uma travada e não relaxam mais. Nem dando porrada em cima eles largam.
As minhas não travam mas esta velha cabeçona dura sim é que me vive travando.
Encanei de arrancar de uma vez por todas aquele postinho de concreto no meu caminho. Hoje pensando bem deveria ter deixado o coitado lá em paz, paradão na dele no meio do caminho. Fazer um novo desvio rumo à horta, sei lá,  plantar umas primaveras amarelas ou roxas prá subir em cima dele.
Mas infelizmente eu já o tinha dado uma "mordida" daquelas e dali prá frente só largaria morto.
E quase morri. Voltei bem cedinho à chácara e com o enxadão amolado fui lhe tirando a terra dos pés.
Cavuquei e cavuquei sem parar, lá e cá olhando o Tião também cavucar o buraco dele à distância, pois ele agora estava dando umas de poceiro e abrindo um poço na chácara do japonês vizinho de baixo. Parecia um Tatú-Peba, com a camisona nr. 7 do Corinthias vermelhinha e molhada de suor. Era como se tivesse se enterrando vivo nas profundidades daquela terra roxa de vulcão abandonada.
O meu postinho balançava, balançava mas não soltava de jeito nenhum os danados dos pés do chão. Acho que estava chumbado prá sempre, colado ao chão com concreto. Agarrei o bicho como se agarra um ladrão de galinhas  e resolvi balançá-lo, prá frente e prá trás, prum lado, pro outro. Ele finalmente foi devagarinho soltando aquelas raízes de concreto do meu caminho. Quando olhei de novo o Tião tinha desaparecido da paisagem, só ficou um monte de terra, barro, pedras e piçarra em volta de sua cova singular.
Quando cheio de orgulho, regado pelo doce sabor da vitória iminente dei a minha balançada derradeira, acho que foi prá trás, o viado do postinho, que devia estar muito enferrujado, quebrou bemna altura das canelas. Ouvi apenas um baque seco, abafado como de um atabaque de surdina, com o meu sangue quente jorrando pelo chão. Senti o gramado sumir dos meus pés, como se tivesse voando mas sem sair do lugar. Dei um grito de dor até então jamais gritado por mim nesta vida. O Tatú-Peba saiu todo molhado de sua toca e veio correndo me acudir. Tinha um reservatório de água de plástico azul do lado da horta. Tirei a camisa, e mergulhei a cabeça dentro dele, que foi ficando devagarinho rosa, lilás, depois roxo que nem vinho tinto. Alguém gritou corre pro hospital com ele. Coloquei a camisa molhada em cima do corte e apertei o máximo que podia, tentando estancar meu próprio sangue que corria agora devagarinho mas sem parar.
Ainda ouvi o tião falando pro outro rapaz que ele não sabia dirigir carro que não fosse "automático". Acho que foi mais uma desculpa esfarrapada dele pois penso que nem carteira de motorista aquele tatú tinha.
O outro rapaz pulou no banco da Kombi e fomos até um posto de emergência ali na Humaitá, perto da UEL. Minha cabeça girava e agora latejva, como selvagens tambores doloridos e arritimados.
Quando entrei a mocinha do balcão olhou o tamanho corte e falou resoluta "direto pro hospital".
Fui parar na Santa Casa de Misericórdia. Como de costume tinha uma fila enorme, com gente de tudo que é tipo, com tudo que é doença que se imaginar esperando a vez deles de entrar. Gritei "Porra, é emergência, cacete!". Um gordão de óculos que acho que nem médico era olhou quase que desinteressado o meu corte, "vai ter que dar só uns pontinhos", e me mandou entrar de novo na fila e fazer uma ficha na administração. Aquilo latejava e doía, mas o sangue estava graças à Deus parando de sangrar.
A escriturária me pediu o nome e número do plano de saúde. Foi aí que lembrei que infelizmente não o tinha, pois me encontrava em transição, havia acabado de voltar ao Brasil e um pouco por conveniência, outro por puro esquecimento mesmo tinha me esquecido daquele detalhe importante.
"Sem plano não dá"!". Mas como não dá, olha aqui a cicatriz, ó, tirei a camisa banhada em sangue e fodido da vida mostrei a todos, só vi gente se arrepiando, umas gritaram "Credo!", outros "Vixe, o corte é grande, moço!". Uma loira bonitona de calça branca e bustiê verde-escuro que também estava na fila do lado nem se mexeu, hoje pensando bem acredito que a coitada já tinha problemas demais pro lado dela. Pois quem estava ali naquela hora tinha problema de saúde ou iria visitar quem os tinha, penso que ninguém vai à Santa Casa só prá passear. Foi quando lembrei que naquela hora eu tinha dinheiro no bolso, pois havia  ainda que pagar pelas gambiarras elétricas do Tião.
Lembro como se fosse hoje, cem reais amassados e vermelhos no bolso do calção, que tirei ( o dinheiro não o calção) e mostrei prá datilógrafa escriturária. Devia ter tirado o calção também, até as cuecas, as meias, ficar peladão em pé em frente ao balcão,  porém ela nem me olhou e fez a ficha dela vagarosamente,  com dois dedos catando milhos naquela máquina obsoleta. Depois com um sinal me mandou entrar, e fui atendido amigavelmente por uma senhora que deveria ser a enfermeira de plantão. Sabia que agora estava em boas mãos. Olhei com tristeza a fila de moribundos se aumentando do lado de fora, um velhinho de quase noventa anos tussindo e pigarreando sem parar, crianças barrigudinhas, bebês de colo talvez com febre chorando, gente com pernas engessadas, ataque epilético, tinha de tudo.
Uma japonesinha com cara de estudante de último ano de medicina foi quem me atendeu. Vou aplicar uma anestesia debaixo do couro "cabeludo" (mais um paradoxo, pois quem me conhece sabe que sou mais careca que uma bola de bilhar). Doeu, mas menos que as latejadas dos atabaques. Menos que a minha tristeza por ver aquele meu povo já tão sofrido sofrendo mais uma vez enfileirado lá na porta. Depois ela costurou com cuidado e me garantiu que como estava pagando em dinheiro deu uns pontos que quase não deixam cicatriz e se dissolvem por debaixo da pele. Ainda me deu um tubinho de creme especial que as mulheres ricas usavam depois das cirurgias plásticas, e era prá evitar o sol direto na pele. Só assustei quando me apresentou um espelhinho amarelado e confesso que quase não tive a coragem necessária prá encarar um simples reflexo naquele momento. A cicatriz ficou enorme, longitudinal bem no meio da cabeça, como se feita por algum pente misterioso imerso no concreto-armado daquele pontinho, dividindo-a perfeitamente em dois hemisférios de cabelos inexistentes.

maandag 18 juni 2012

A minha chácara nr.6

De repente sem motivo aparente as coisas começaram a andar dando errado pro meu lado lá naquela chácara, pequenos sinais do além talvez, mas sentia na carne que precisava tomar cuidado, só não sabia ainda com o quê.
Estava sozinho lá no quintal tentando mudar de lugar um postinho de concreto que alguém um dia plantara bem no meio do meu caminho. O Tião estava dentro da casa trocando do jeito dele toda a fiação, que continuava a dar curto-circuito sem parar.
Dei uma paradinha prá tomar uma água e econtrei o bicho pendurado no velho telhado milenar.
"Tião, cuidado bicho, não vai me despencar daí de cima!". Depois que alguém me contou que o Tião vivia despencando dos postes por onde subia como eletricista aposentado eu comecei a ficar mais preocupado com ele. A gente nunca sabe, não tinha seguro acho nem plano de saúde nem nada, se caísse a culpa era só dele, mas como "empregador" talvez acabasse juridicamente virando pro meu lado.
Olhei os fios subindo e descendo das paredes como cipós azuis, amarelos, vermelhos, se encontrando em algum nó amarrado com fita isolante depois sumindo de vista prá se encontrar de novo só Deus e Tião sabiam aonde. Gritou lá de cima "Iiiii acabou a fita isolante!", "não dá pro senhor ir buscar? Se der busca também uma maçaneta nova prá porta do banheiro, uns soquetes e umas lâmpadas mexicanas de 100w. Umas latinhas de skol até que não ia ser mal hoje no fim do dia prá comemorar !" Lá fui eu prás casas de contrução com mais uma lista na mão. Tinha uma casa que ficava há uns dois km dali, era só subir uma estradinha de cascalho, virar do lado da UEL, cortando caaminho por um loteamento vazio que não foi prá frente. não sei porque, lugar muito bonito, dava prá avistar Londrina todinha brilhando ao sol do meio dia, aquela matinha ainda meio virgem do lado da fábrica de leite, os prédios se aproximando suspeitos e sorrateiros, a civilização finalmente chegando àquelas bandas do mundo esquecidas pela maioria até então.
A loja de construção era de um antigo colega de futebol que alguém apelidou de Reverendo, prá falar a verdade nunca lhe perguntei o nome, como tinha cara de padre prá mim era Reverendo e pronto. Ele gostava de jogar de centro-avante, ficava só na "banheira" esperando, mas era ruim de bola que nem só ele, e tinha uns que o chamavam de Moon, referindo-se àquele antigo reverendo da seita religiosa da Amazônia. Eu me lembro de ter dado um ou dois passes prá ele numa pelada na porta do gol e o bicho chutou lá no mato. Dali prá frente  virei fominha e nunca mais passei a bola prá ele, que tirava o óculos de fundo de garrafa, olhava prá gente e "com toda razão" reclamava; "Pô ninguém passa prá mim!". Passar prá quê, ele era futebolmente funesto, um zero à esquerda aquele reverendo.
Entrei na lojinha dele, que nada mais era do que um barracão improvisado, com umas ferramentas nas prateleiras, onde as galinhas faziam os ninhos e botavam. Falei, "Grande Reverendo, lembra de mim, das nossas antigas peladas de domingo de manhã? ". Eu nunca havia me esquecido dele e dos balões que dava com a bola, ainda por cima chegava lá no clube ainda de madrugada, com o jornalzinho debaixo do braço e era o primeiro a assinar a lista de presença. Os 11 que chegassem primeiro jogavam a primeira e segunda partida do domingo. Ele fez aquela cara de sonso de quem não se lembrava mais, mas acenou com a cabeça que sim. "Poxa, quanto tempo, Manoel né? ". Manoel o cacete, meu nome era Joe, mas prá não complicar pois estava com pressa deixei-o chamar de Manoel mesmo, que diferença faz, não é mesmo?.
Entreguei a lista do Tião, encomendei uns metros cúbicos de areia lavada, dei o endereço da chácara, paguei em dinheiro e fui embora. Ele ficou me olhando profundamente, como se tateando as coisas nas brumas escondidas da escuridão do fundo da memória. Uma galinha carijó alaranjada pulou em cima do balcão cacarejando toda  prá mostrar o novo ovo-rebento dela. Reverendo pegou-a no colo com muito carinho, alisou-he as asas coloridas e pigmentadas e comentou suspirando, "bichinho de Deus!".
Quando abri a porta da Kombi, e dei o toque de ignição ainda ouvi um grito de eureca vindo lá do balcão, finalmente se lembrara de mim, e completou;  "Era do time do seminário, né? "
Quando voltei ao silêncio da chácara Tião estava tirando uma soneca debaixo do pé de abacate. Como o chão estava molhado ele desamassou e jogou umas caixas de papelão pelo chão e roncava  e apitava gostoso com o barrigão branco virado prá cima. Fiquei com vontade de jogar um bom balde d'água gelada em cima dele, mas não sei porque tive que rir só com a a satisfação daquela idéia.
Meu riso desapareceu quando abri a porta da cozinha e me deparei com o resultado da fiação. Meu Deus do Céu, aquilo parecia uma teia  feita por alguma aranha embriagada que tivesse ainda por cima fumado uns três baseados sozinha, era fio indo e vindo, saindo e voltando, pulando, rebolando, dançando e comemorando freneticamente pelo teto sem forro daquele meu velho casarão.
Como acho que demorei demais na loja do Reverendo, Tião cansou de esperar pelas coisas e emendou tudo sem fita isolante nem nada. Fiquei com receio de apertar o botão do interruptor, pois da última vez que o fiz as lâmpadas mexicanas estouraram todas sem perdão. Como sempre a minha curiosidade foi bem maior que o meu medo, coloquei uma havaina de borracha no pé prá amenizar o choque, respirei bem fundo, contei até três e apertei o botão desbotado. Assim como num milagre, num passe de mágica, fez-se luz. Corri estupefato aos quartos, sala, banheiro, misteirosamente graças ao velho Tião havia luz em todos os cômodos. Não sei até quando, mas que havia luz, havia. Queria acordá-lo prá agradecer pela luz, mas o barrigão ainda subia e descia sincronicamente com a respirão entre um apito e outro, parecia um desses sapos de brejo dormindo de ponta-cabeça.
Devagarinho me aproximei dele, que deu um grunhido, virou-se de lado e continuou a sonhar seus sonhos tianescos.
Eu me agachei e coloquei duas latinhas de skol  bem geladas do lado daquele travesseiro de papelão.
Depois voltei ao meu pesadelo que era aquele postinho de concreto que balançava e balançava tal qual um dente-de-leite querendo cair mas não havia meio de tirá-lo do meu caminho.

zondag 17 juni 2012

A minha chácara nr.5

Nada como uma boa calmaria depois de uma boa tempestade. Foram semanas de trabalho duro naquela terra vermelha. As minhas batata-doces plantadas em fileiras cresciam e se arrastavam por tudo que era lado, soltando suas raízes arroxeadas e doces pelo chão. Molhando a minha horta eu vislumbrava as verduras suculentas orgulhoso delas e  principalmente de mim mesmo. O Mirtão veio me visitar num domingo. Trouxe uns peixes que tinha pego nas barrancas do Paranapanema. Quando viu aquele campo de batatas-doce que parecia mais um cemitério de sepulturas quase florindo não se conteve e me disse "Cê tá louco!, isso parece praga, meu, vai te praguejar a chácara toda!". Praga ou não, eu sei que eu gosto de batata-doce, principalmente frita, acho que me faz lembrar um pouco da Dona Tereza minha querida mãe, dos sabores das frituras dela e da minha infância que jamais vou me esquecer. Mas o Mirtão me botou medo, vai que fica que nem a chácara do meu amigo Naka, que plantou uns bambus uma vez prá comer os brotos, japonês é louco por broto de bambu, mas o bambuzal foi sorrateiro tomando conta de cada centímetro do sítio dele.
O coitado plantava mandioca, feijão, milho, só dava bambu. Bambu é foda, forma um sistema radicular gigantesco que vai se emaranhando debaixo da terra tal qual cabelo de nego embaraçado e solta os perfilhos onde lhe der vontade. E o que é pior, não tem como se acabar com eles, nem queimando tudo, acho que se queimar ele masoquista parece que gosta mais ainda, e vem com mais força, viçura e beleza, são piores de que "comigo ninguém pode". Eu cá comigo tenho o maior respeito por bambu. Acho que o velho Naka também.
Dei mais da metade dos peixes do Mirtão pro seu Bem-vindo o meu vizinho do lado. Passei o isopor por cima da cerca de arame-farpado e o velho agradeceu abertamente com um bonito enorme sorriso desdentado. Gostava do seu Bem-vindo, me ensinou a encabar as minha enxadas da maneira mais correta, deixando-as por uma noite num balde d'água prá madeira se estufar e o cabo nunca mais se soltar dali. Volta e meia ele trazia baciadas de uvas da parreira de uvas Itália dele, acho que um pouco só prá se mostrar, pois eu havia acabado de plantar as minhas mudas, que me custaram um dinheirão e infelizmente por mais que adubasse e molhasse não faziam sinal de ir prá frente, aliás penso que só iam prá trás, desfolhadas e raquíticas do jeito que estavam. Quem gostava delas eram as lagartas verdes. Tinha umas gordonas que caminhavam sonolentas pelas folhas como se estivessem medindo os palmos, notei que só tinham os "pezinhos" na parte dianteira, depois aquele corpão comprido demais, e nas traseiras onde se grudavam como um desses desintupidores de pia, e as danadas ficavam até de ponta-cabeça comendo na boa o meu parreiral. De longe dava prá ouvir o crcrcrcrcrcr... das folhas sendo vorazmente devoradas.
Fiquei imaginando que borboletas iriam surgir dali quando encasulassem, se chegassem a encasular pois seu Bem-vindo estava de olhos nela e de vez em quando balançava a cabeçona bronzeada e careca e me acenava que era prá pulverizar veneno antes que fosse tarde demais.
Detesto veneno de todo que é tipo. Dizem que é um desses males necessários da agricultura, talvez o sejam, não sei. O fato é que um dia trabalhei numa multinacional fazendo teste de venenos. Saía de manhanzinha pro campo com a caminhonete cheia de venenos até a boca,  dezenas de baldes, pipetas, elenmeyers, filtros, pulverizadores de mão, tubos de co2, luvas, máscaras, macacões, botinas de borracha, estacas,  trenas, marretas, pincéis, chapéu, enfim, um mundaréu de atributos inerentes a um bom "pesquisador" de produtos químicos. A gente era treinado a não usar de jeito nenhum o termo "veneno", que tinha um tom meio negativo, e sim "defensivos agrícolas" que soavam muito mais positivos, quase que filantrópicos nas orelhas cabeludas dos agricultores. Funcionava legal, até eu mesmo acabei me acostumando com isso, na minha euforia de agrônomo recém-formado eu estufava o peito e dizia cheio de orgulho que era "pesquisador de defensivos agrícolas". Até um dia, aplicando inseticida e fungicida em forma de pó num cafezal numa fazenda ali perto de Bela Vista do Paraíso durante uma semana inteira, sob um sol de rachar mamonas, quando estacionei a caminhonete na garagem do apartamento, dei dois passos rumo ao elevador e apaguei. Apaquei e foi quase de vez. Acho que foi desmaio. Deu um branco, tudo em volta girou, dançou à minha frente, a caminhonete embarreada, os pilares do estacionamento que teimavam em querer arrancar diariamente os meus retrovisores, o tapete, as paredes brancas, o elevador, o teto, tudo girando e griando num redemoinho sufocante que me fazia balançar e perder o equílibrio. Eu me lembro de querer vomitar, não sei se vomitei, não lembro mais, alguma forma de bloqueio. Naquela garagem escura ninguém me achou, o porteiro do prédio devia estar lá ligadão no rádinho de pilha dele ouvindo a rádio Atalaia, a cada dois ou três minutos o vozeirão do locutor gritava lá de cima, A-ta-lai-aaaaa, 20 horas e 45 minutos, depois dá-lhe música brega em cima, entrecortada por mais um  A-ta-lai-aaa 20 horas e 47 minutos.
Fiquei deitado assim sem forças prá me levantar por um tempão ouvindo a A-ta-lai-aaa, pensando na vida e na morte, no passado, presente, futuro, enfim na minha sorte, ali naquele chão gelado de concreto daquela garagem semi-abandonada...

zaterdag 16 juni 2012

A minha chácara nr. 4

Uma das coisas que eu achei meio estranho foram os cacos de vidro. Cada rastelada que eu dava no pomar, debaixo das goiabeiras, das jabuticabeiras, cada buraco que fazia com enxadão prá plantar alguma coisa me deparava com restos de garrafas quebradas. Aquilo foi me deixando cabreiro demais. Detesto cacos de vidro, não sei porque eles desde pequeno me dão arrepios, felizmente nunca me lembro de ter me cortado com eles, pelo menos nesta encarnação.
Por estes dias me apareceu um menino filho de um outro vizinho que tinha uma carroça puxada por uma égua marrom muito linda. A carrocinha dele era muito bem cuidada, com detalhes em verde e vermelho, os banquinhos forrados com couro de cabrito, tinha até espelho retrovisor. Eu nunca tinha visto uma carroça assim com espelho retrovisor, gostei. O moleque era a cara do Chico Bento dos gibis, não me lembro mais o nome dele, mas sem brincadeira falava igualzinho ao Chico. Fiquei pensando se o Maurício fizesse um filme do Chico Bento aquele moleque tinha que ter o papel principal, se tivesse no Brasil outro melhor ele seria o então o amigo do Chico o Zé Lelé. Ficamos amigos, ele vinha todo dia depois da escola me ajudar a rastelar as coisas e eu pagava uma diária que era um terço da diária de um adulto, que ao meu ver já era barata demais. Como naquela chácara tinha lixo demais, ferro-velho, restos de madeira com pregos, tijolos quebrados, etc, o Chico trouxe a carrocinha de aluguel do pai dele, por um precinho bem cômodo. Eu pagava por carroçada que a gente levava no depósito de lixo ali pertinho. Calculei bem de cabeça, deve dar umas duas três carroçadas no máximo. Ledo engano! Foram mais de quarenta carroçadas, desanimado até perdi a conta.
E dá-lhe a rastelar, cada rastelada uma garrafa. Fui me acostumando com as cores e rótulos escritos, eram de cachaça na maioria, tinha Oncinha, Bem-Bom, Pitu, até uma com o nome engraçado de "Na Bundinha" eu achei. Contei a estória pro Mirtão, ele se arrepiou. O Mirtão sabe mas nunca fala prá gente das coisas do oculto, do "outro mundo". Creio que ele deve ser um desses "médiuns" que não praticam. Ele se arrepiou todo, deu umas bocejadas, parecia que ia cair ali dormindo à minha frente. Deu uma sacudida no corpo, bocejou de novo e falou "Vixe, aí tem coisa!". Só não falou que coisas.
Continuei minhas limpesas, agora encontrava restos de vela, e aqui e ali um osso ainda quase intacto.
Eu tinha convidado um grande amigo meu escocês o Simon prá se viesse ao Brasil se hospedar lá comigo de graça e ajudar um pouco na minha empreitada ecológica. Eu convidei assim por convidar mas nunca pensei que ele viesse de verdade. Mas ele veio. Aterrisou em Cumbica sem falar uma só palavra em português. Não sei como ele se virou por lá, pois o Simon nasceu e foi criado no norte da Inglaterra numa região chamada Cumbria, e é quase impossível entender o que eles falam, eu até hoje me comunico com ele quase que mais por telepatia do que por palavras, porque o meu inglês é até hoje ruim, o dele incomprensível demais.
Uma tia-madrinha minha havia me dado uns sofás velhos que ela tinha prá colocar na varanda. Estavam um pouco surrados mas jogamos uns panos de rede em cima e os danados eram gostosos de se esticar. Prá mim nada como um bom sofazão num dia de domingo. O Simon no primeiro dia escolheu um que ficava no canto da sala. Ali ele sentava e a gente levava os nossos papos telepáticos diários. Notei que ele também bocejava demais.
Minha esposa também começou a bocejar, ficar nervosa à toa, até gritar. Talvez fosse aquele calorão infernal que fazia, aquela terra roxa basáltica parecia que era cobertura de bolo de algum vulcão escondido sob os nossos pés.
Eu tinha ganho do Mirtão uma dessa piscinas de fibra de vidro azul que ele não usava mais. Um espanhol veio trazer com o caminhão de aluguel dele. O cara era formado em economia, ou admnistração de empresas mas tinha escolhido ser motorista de caminhão de aluguel. As coisas parece que iam bem pro lado dele pois tinha um caminhãoziho próprio e estava comprando outro pro filho mais velho.
Eu inventei um sistema com umas mangueiras de borracha que vinham da bomba do poço até a piscina, instalei um chuveiro improvisado debaixo da parreira de uvas e a água jorrava fria e cristalina,  era como tomar banho de cachoeira, mas sem cachoeira. Até o Simon que notei não gostava muito de tomar banho passava horas se refrescando ali embaixo. A família toda, pois a onda de calor  naquele dezembro foi incrível.
Depois veio a tempestade. E veio de mansinho. Primeiro um silêncio sufocante, nada parece que se movia no ar, apenas o bando de Anús Brancos fugiu em revoada fazendo aquele alvoroço cotidiano deles. O céu ficou cinza-escuro, um vento de arrancar as telhas do barracão. As árvores do pomar balançavam os galhos como se numa dança possuídas por algum demônio africano. Os galhos do velho abacateiro balançavam e chegavam ao teto da casa depois voltavam num arco rumo ao céu, começou cair abacate prá todo lado, voar baldes, pedaços de madeira, pedras,  telhas de zinco, etc. Estacionei a Kombi em frente à casa, longe do abacateiro, offcourse, a esposa arrumou as crianças, o Simon de olhos esbugalhados acho que também morrendo de medo, coitado. Eu me senti responsável pelo bem-estar geral de todos naquele momento. Se piorasse mais um pouco a gente entrava na Kombi e procurava refúgio em outro canto. Depois o vento  se acalmou, a chuva choveu, um chuvaréu torrencial, lavando tudo pela frente. Não sobrou nada da minha horta em construção, as galinhas francesas acocoradas debaixo dos respectivos ninhos pareciam se derreter que nem sorvete.
Pensando bem aquilo talvez tenha sido um furacão que passou ali bem pertinho de Londrina naquela tarde de dezembro que infelizmente não vai voltar nunca mais.


A minha chácara nr. 3

Acabei pintando o velho casarão de madeira de amarelo, azul-turquesa e cor-de-rosa, cada muro de uma cor diferente. Como sobrou bastante tinta resolvi mandar ver no barracão e prá falar a verdade, o Joe com um pincel e uma lata de tinta nas mãos se torna um sujeito muito perigoso, pois nenhum poste, tronco de árvore, muro, cadeira velha, mesa, prateleira, enfim tudo que ainda não foi pintado ultimamente se torna um alvo necessário. É uma das manias minhas, pintar as coisas, quanto mais colorido melhor. Gosto de cores, prá mim são os sustenidos, os bemóis da música, outro passatempo e paixão que adoro.
Passei horas pintando tudo que encontrasse pela frente. Depois resolvi ladrilhar o banheiro. Antes disso dei umas brochadas em cima de um forno de madeira que tinha na cozinha, ficou legal, misturei tudo, amarelo, azul-turquesa, cor-de-rosa, ficou um roxo meio lilás amarelado, redondo e brilhando. Tenho certeza que ninguém neste mundo já comeu um pão feito em casa saído de um forno tão bonito.
Estava lá assoviando minhas melodias e ajustando os pedaços de sobras de azulejos. Foi quando o Naka meu amigo apareceu. Falamos umas bobagens como sempre, sobre o mundo, a música, as mulheres, a amazônia, sei lá, eu e o Naka sempre conversamos horas à fio, amizade é isso, colando juntos os pedaços de azulejos naquele velho banheiro. Ficou meia boca, o Naka gostou, mas depois dei uma retocada com cimento e cal em cima, quase que nem deu prá ver as falhas enormes entre um pedaço e outro.
Numa sexta-feira de manhã a gente se mudou prá lá, eu a esposa e três filhos pequenos.
Tinha acabado de plantar umas mudas de uvas na nova varanda, queria fazer uma parreira enorme, com uvas cabernet savignon.
Reconstrui o velho galinheiro e fui numa chácara ali pertinho comprar umas galinhas e um galo. O cara me disse que eram de raça, franceses segundo ele, e as galinhas eram botadeiras. Voltei radiante, com um galo que mais parecia um frango adolescente e umas quatro galinhas com cara de beatas.
Apresentei o novo galinheiro cor-de-rosa prá eles, joguei um punhado de milho seco e voltei prá dentro do casebre, pois já era meio noite. Um velho sapo tamanho gigante pulou em cima do tanque de roupas. Era enorme, aquilo devia ser o lugar predileto dele, pois nem se assustou com os gritos arrepiantes da esposa, sapo assim a coitada só tinha visto em filme. Ainda tentei no escuro com uma lanterna  e vassoura  em vão procurar pelo bicho, que se enfiou pelas frestas de madeira do velho casarão e sumiu.
Já eram duas da manhã quando o frango adolescente entrou numas de cantar sem parar. Um canto desafinado, nem alegre nem triste, que infelizmente prá ele não foi respondido por outro galo nenhum da vizinhança ao redor. Coitado, acho que as galinhas beatas que eu trouxe eram irmãs mais velhas e só davam dura nele. Mas adolescente é um bicho obstinado e cantava e cantava fora de hora, à uma da matina, duas, três e meia, quatro, eu penso que queria se mostrar ou dar umas nas manas, que por sua vez lhe bicavam e em grupo corriam com ele prá todo lado, que ficava todo encolhido debaixo dos ninhos cor-de-rosas que eu fiz.
Três dias se passaram, ou melhor, três madrugadas sem dormir, prá ele, pros vizinhos, prás beatas e prá mim, aí voltei à chacara ali pertinho e propus uma troca inusitada. O meu frango-galo-adolescente, que deveria valer muito mais, por uma simples galinha comum de granja. Os rapaz fez cara de quem entendeu o meu drama, mas me achou meio esquisito. Creio que meu sotaque deve ter mudado demais nestes anos todos longe do meu querido Brasil. O sotaque da gente muda, envelhece, que nem os olhos necessitam de óculos.
Ovos pelo menos a gente tinha agora em abundância e ninguém morreria de fome. Estranho é que as beatas os botavam com duas gemas. Cada ovo que eu buscava era com duas gemas, fiquei um tempão fazendo omelete e pensando seriamente no assunto, deve ter sido alguma aberração cromossomática galinácea desconhecida até hoje prá mim.
Isso foi quando começou a dar curto-circuito e queimar lâmpada sem parar. Eu tinha comprado umas lâmpadas baratas acho que mexicanas e queimavam à torto e à direita sem que ninguém soubesse porque. Acho que andei com os vizinhos comentando sobre o assunto.
Foi aí que me apareceu o Tião. O Tião precisava de um capítulo à parte, só dele, mas como estou com pressa vou emendá-lo por aqui.
Cara como o Tião a gente só encontra uma vez na vida, e se encontrar.
Se me lembro bem ele estava com uma camisa nr. 7 do timão, e chegou num corcel 2 todo fodido de feio, queimando óleo e fumaceando que nem um dragão. No para-brisas da frente  um colante de "Jesus eu te amo", no de trás "vazectomizado".
Ainda por cima estacionou-o bem em cima dos meus pés de batata-doce. Eu os tinha com tanto carinho plantado em montinhos de terra roxa, os quais cobriam com folhas verde-amareladas que quase fluoresciam à luz do sol.
Parou o corcelzão bem em cima, nem se deu ao trabalho de se desviar. Papo vai, papo vem, "eu sou pedreiro, carpinteiro, eletricista, encanador" o que a gente precisar o Tião sabe fazer, e o que é melhor cobra a metade do preço dos outros.  Sei lá porque fui com a cara dele, tinha senso de humor, tocava violão e cantava modas sertanejas, segundo os vizinhos  fazia a primeira voz e muito do afinadinho.
No outro dia ele voltou com uns rolos de fios e um postinho. Estes foram dias memoráveis de minha vida. "Não porque está fiação não está legal, o relógio não funciona, a corrente está muito alterada, etc.". Tião, eu não quero nem saber, me arruma isso bem rápido e ligeiro. Sou uma rara exceção na família e se tem uma coisa de que eu não entendo e não dou bola é a tal de eletricidade. Acho que tentaram demais prá que eu fosse seguir os caminhos desbravados por meus antecedentes irmãos. Até fui estudar em escola técnica, na ETEP de São José dos Campos, mas desisti e voltei pro meu Norte do Paraná. Alguma coisa, sei lá talvez o destino me esperava com suas infinitas páginas em branco.
Mas quando eu vi o bicho estava em cima do poste de luz e já tinha cortado o fio principal da rede, que agora balançava ao sabor do vento. Ainda me deu tempo de perguntar, "Tião, cê sabe o que cê tá fazendo, meu?". Um enorme sorriso foi a resposta que ele me deu.
Com um velho alicate na mão fez umas gambiarras e ainda acenou à distância prá mim, era prá ligar o interruptor. Liguei, desliguei, nada de luz. Nenhum sinal.
De súbito uma das mexicanas explodiu feio na varanda. Gritei "Tião, tem luz!!". Logo depois se apagou .Depois a outra, acho que deviam estar em "série".
Ele cortou mais uns fios, que logo emendou com outros, e gritou lá de cima do poste, "e agora?". Nada, nadinha, nothing, niente. Tal qual um relâmpago a mexicana do banheiro acendeu e logo em seguida se apagou de novo.
Depois a da sala explodiu. As dos quartos, do velho barracão, da bomba d'água, eu tive a impressão de que deve ter queimado a luz de meio mundo naquela tarde ensolarada de dezembro. Eu fiquei ali na varanda, um lado rindo, o outro chorando, com um olho no Tião em cima daquele poste de concreto enorme de alto, com medo dele despencar de lá de cima com um choque, com outro nas lâmpadas mexicanas que eu houvera comprado baratinho no camelódromo de Londdrina e que não paravam mais de explodir...


vrijdag 15 juni 2012

A minha chácara nr.2

Passei o fim de samana ansioso pensando na chácara, nas frutas, nas Angolas, Anús, naquele pedaço de céu azuladando o outro pedaço de terra roxa que agora iria ser finalmente meu.
Segunda-feira logo de manhãzinha, não tinha nem dado tempo de tomar um café, o João Telefone ligou. Falou que tinha um outro comprador interessado (conversa fiada!), que o dono um professor iria sair de férias prá Camboriú, blablabla, e se eu quisesse a chácara tinha que ter pressa. Negociamos um preço, que me pareceu mais do que justo, mas ele queria a comissão dele. O Mirtão sentado numa cadeira de vime alaranjada na varanda, tomou um gole de  Brahma Chopp gelada, fez um aceno meio obsceno com a mão que não, comissão é do vendedor não do comprador. E ele tinha razão. Segundo ele o Telefone estava querendo era morder dos dois lados.
Dali a pouco ele ligou de novo, se não dava prá pagar pelo menos a metade. Não gosto de pechinchar mas pechinchei bonito e  resoluto, comissão eu não pago porra nenhuma. "E a gasolina então?", numa última vã tentativa do Telefone prá salvar o que dava de salvar pro lado dele, coitado.
Coitado foi de mim, que acabei comprando aquela chácara e me mudando com a família prá lá.
Emprestei umas enxadas e foices e convidei os sobrinhos prá "desbravar" aquele pedaço de sertão. Lembro que o Manão foi junto, quando desceu do carro acho que se assustou com o mato, deu umas duas ou três foiçadas irresolutas e foi se sentar com um gibizinhos do Tio Patinhas à sombra de uma pitangueira repleta de pitangas maduras. Os Sanhassos azuis-turquesa cantavam, comiam as pitangas deles e e ao mesmo tempo iam cagando na cabeça do Manão. Ele xingou os lindos pássaros e foi se sentar na poltrona da velha Kombi estacionada. Ainda me deu uma dura; "Pô tio, é muito mato, meu, que calor do cacete, não tem nada prá  gente comer não, esta coca-cola não tá gelada!"
Eu nem ouvi os resmungos do Manão, estava num tipo de êxtase, e sentia dentro do peito a fúria de um gladiador, os Assa-Peixe de quase de dois metros de altura eram os meus adversários naquela arena inusitada, que eu seguia cortando as pernas, e arrancando um por um daquele chão que agora era meu.
Depois de algumas horas de batalha e muito suor consegui abrir uma clareira e um caminho até a casa e o barracão. Manão fechou o gibi dele e veio correndo atrás, quando vi o bicho estava trepado em cima da goiabeira, parecia um gibão se agarrando naqueles galhos verdes, que balançavam como numa floresta sob o peso dele.
Logo apareceu um vizinho, que eu já tinha notado estava de butuca dando comida aos cabritos dele e assistindo de graça o nosso programa, pois aquilo devia parecer um filme de humor. Quem seria aquele careca de botina, calção e camisa  nr. 14 do Ajax, cortando como um louco varrido aquele mato naquele calorão de matar.
Conversamos um pouco ele me disse o que eu já sabia,  que a casa já estava abandonada havia vários anos, etc. E se eu quisesse ajuda ele tinha um cunhado jovem na roça ali em frente que na folga dele limparia aquilo tudo em um dia pra mim. Quando ele falou o preço da diária do rapaz eu senti o desepero do Manão que agora estava se atracando com o Pé de Carambola, chacoalhando os galhos bem altos mas as danadas teimavam em não cair. Era quase nada, e aqueles Assa-Peixes parece que se multiplicavam que nem a estória do pão e peixe de Jesus.
Quando voltei à Chácara dias depois e perguntei se o Manão queria ir junto ele arranjou alguma desculpa e reclamou mais uma vez do mato e da coca quente.
Eu fui sozinho e o rapaz estava quase terminando de derrubar o meu último adversário, que solitário murchava quase imediatamente depois de assassinado debaixo daquele sol implacável.
Ficou limpinha, tinha um enorme gramado que antes eu nem percebera e parecia um campo de futebol imenso de grande, só faltando as linhas, arquibancadas e as traves. Eu me sentia o juiz, o dono do time. O presidente.
Agora dava prá ver lá longe o teto da casa do vizinho, a torre de um poço artesiano, umas colinas verdes  imensas que deveriam ser cafezais em curva de nível. Me senti feliz por estar ali naquele momento. Queria ficar ali prá sempre parado na beleza e perfeição daquele momento.
Só acordei dos meus devaneios de felicidade quando o rapaz gritou "corre, cobra, cobra!!", e correu foi com a enxadinha dele cortando a Cascavel bem no pescoço da bicha. Acho que estou exagerando um pouco as coisas, na minha lembrança era uma enorme Cascavel, mas talvez fosse alguma cobrinha inofensiva mixuruca de nada, que estava mais com medo da gente e da enxada do cunhado do vizinho do que a gente dela. Ainda por cima chegamos lá sem ser convidados e derriçamos com os Jardins do Éden dela cercado de Assa-Peixe.
Quando estava tudo bem limpo a esposa veio com as crianças conhecer. A casa precisava de uma nova pintura, lâmpadas, talvez uma nova fiação. Eu teria que construir uma nova varanda bem mais alta pois a que tinha a gente quase batia a cabeça nas telhas. O carpinteiro que deve ter feito aquilo acho que era anão.
Imediatamnete fomos a uma casa de tintas e construção. Ela não quis descer do carro pois os bebês gêmeos de 6 meses estavam no banco traseiro, minha filha de um ano e meio no da frente no colo.
Entrei na loja e perguntei sobre tintas e cores. O vendedor desinteressado me mostrou aquelas prateleiras com um mundaréu de tintas de todo tipo e coloração. Expliquei que a casa era de madeira e esposa estava no carro e queria escolher as cores. O cara deu uma risdadinha pro vendedor do outro lado do balcão, um dos dois devia ser casado também. Voltei à velha Kombi com um mostruário que parecia um  arco-íris em forma de leque ou de cartas de baralho.
Não havia sombra por perto e o sol do meio-dia parece que cozinhava tudo ao redor. Demorou um tempão prá fazer a escolha. Voltei ao balcão. "Quero esta, e esta, e esta aqui ó!". A verde ele tinha, a amarela também, mas a roxa não fabricava mais! Se não fabricava porque coloca no mostruário, pô! De volta pro carro, o cheiro de leite azedado, os bebês chorando incomodados com o calor e a espera demorada. Em holandês "roxa não tem, só cor-de-rosa". E dá-lhe folhear o arco-íris. Outro dia um de meus filhos que agora está com 13 anos me perguntou porque a mãe deles demora tanto prá escolher as coisas no supermecado, lojas de roupas. Segredo nosso, mas quando vamos juntos sem a esposa fazer as compras a gente se dispersa, parece um batalhão bem treinado, cada um prum canto do Jumbo e contamos um, dois, tês e já! Dali prá frente o tempo começa a correr. O nosso recorde é três minutos e quarenta e cinco segundos, já chegamos a fazer em dois mas tinha uma velha gorda no caixa com um carrinho até a boca que infelizmente nos atrasou demais. Os meninos reclaram que não valia pois ela estava em toda fileira por onde passaram. Confesso que também me atrapalhou um pouco com aquele bundão absurdo de grande atravessado na minha frente quando tentei esticar o braço prá pegar as verduras. Pegar verdura prá que, dizem os gêmeos em únissono, acaba estragando tudo na geladeira. Podia trocar por umas Redbull bem geladas!


A minha chácara nr. 1

Treze anos já se passaram e ainda tenho pesadelos de vez em quando com aquela chácara. A gente tinha resolvido emigrar da Holanda para o Brasil, um de meus sonhos quase realizados nesta vida sempre tão repleta de sonhos, comprar um sítio e abraçar a agricultura ecológica. Mas o Brasil é tão grande, andei por Minas, Ouro Preto, Mariana, São João Del Rei,  pela Alta Sorocabana, passei por Curitiba, Araucária, Contenda e de ônibus fui até Lapa, terra da batata. Cada lugar que passávamos a gente olhava um pro outro e se perguntava em holandês "que tal, vamos amarrar nossos burros por aqui?". Queria ir até Florianópolis mas infelizmente não fui.
Num ônibus da Garcia acabamos viajando até Londrina, talvez o maior amor da minha vida.
Falei pro Mirtão que estava olhando sítios ou chácaras prá comprar. Logo assim como vindo da imensidão do nada apareceu um corretor, o João que na hora apelidei de  "telefone" pois carregava pendurado na cinta um celular que mais parecia uma geladeira de tão grande. Ageladeira dele não parava um instante de tocar, e sem que me desse conta estava num Fiat branco rumo ao Shopping Center Catuaí. Ele entre um alô e outro ia me "apresentando" Londrina, "aqui é o lago Igapó, ó, que coisa mais linda! Depois passamos por um condomínio, Terras de Santana, Emaús, uma estradinha de terra batida e de pedras que só Deus sabe onde iria dar. A poeira vermelha subia e entrava por cada poro, cada fresta daquele velho Fiat abafado.
Um japonês de bonezinho branco avermelhado com um trator Tobata, desses que mais parecem um cortador de grama, acenou prá gente, ainda deu prá vislumbrar os pés de caqui em imensas fileiras simetricamente sumindo e se perdendo pelo horizonte sem fim.
Eu estava feliz. Como uma criança saindo pela primeira vez de férias. Chegamos num cruzamento com cara de encruzilhada. Eu ainda apontei pros litros de cachaça vazios, oferendas, velas e galinhas pretas mortas. Telefone desconversou, mudou de assunto; "Aqui atrás, ó, bem pertinho, fica o Campus da Universidade!"  Um cão vadio apareceu por detrás de uma moita de erva-cidreira e deu uma mordida apressada arrancando um pedaço da coitada da galinha. Era sábado de manhã, algumas velas ainda queimavam quase no finalzinho. Lembrei do dia de Finados.
Seguimos em frente, derrapando um pouquinho numa curva enlameada. Perguntei se não atolava, Não sei como ele sabia com toda aquela certeza de corretor de imóveis, mas Telefone me garantiu que ninguém nunca atolou por ali.
Finalmente chegamos na chácara, que estava meio largada, com um casebre de madeira desbotado,
um barracao meio abandonado, o mato querendo subir pelas pernas da gente e sufocar quem ficasse por baixo. Um enorme caramujo que juro por Deus, era maior que a palma da minha mão, passou devagarinho quase parando à nossa frente. Nem deu tempo de gritar prá acudir o coitado, Telefone deu-lhe uma pisada daquelas nas costas que não sobrou nada do inocente invertebrado. Aquele bicho deveria ser pelas minhas contas julagando pelo tamanho, quase que pré-histórico. Tenho um pouco de remorso até hoje por não tê-lo salvado daquela pisada fatal do João.
Passeamos pelo enorme pomar de mexericas, Poncãs, Limas amarelas, Limão Rosa, Galego,Tahiti, Laranjas,,Pera, Baiana, abacates de todo tipo e tamanho, goiabas vermelhas, brancas, jabuticabas, Frutas do Conde, Pinhas, Mangas Espada, Coquinho, Manteiga, Haden, Bourbom, Coracão de Boi. Aquele paraíso frutífero esquecido estava lá todo largado, como que envelhecido pelas intempéries do tempo esperando apenas por alguém chegar, por mim talvez.
Telefone me mostrou o carreador, a bomba elétrica que ainda funcionava perfeitamente, segundo ele. O galinheiro, a velha horta abandonada, onde um bando de Galinhas de Angola ciscavam destraídas pelo chão à procura de minhocas, besouros, larvas, enfim do que encontrassem pela frente.  Os pés de Santa Bárbara estavam com os galhos secos emaranhados em cima dos fios de eletricidade, mas era só pedir que a prefeitura vinha "no mesmo dia!?" cortar.
Um bando de Anús Brancos pousou no poste do lado esquerdo do barracão. Fazia um tempão que não os via mais, aliás já tinha quase me esquecido de que eles existiam. O sol foi nublando de repente e virando prá chuva. Dava prá ouvir os Bem- te -vis fazendo a alvoraça deles e anunciando mais uma tempestade de verão, que não iria demorar. Telefone olhou pro céu todo preocupado, as núvens Cúmulus Nimbus ameaçavam o céu acinzentado e vinham para o nosso lado.
Fiquei pensando na curva daquele atoleiro se chovesse de verdade. Acho que o Telefone também. Comecou a ventar muito forte, relâmpagos e trovões prá todo lado, os galhos do abacateiro maior desciam quase até o chão vermelho. Entramos apressadamente no velho Fiat voltamos à estrada principal do lado do Shopping rumo à Londrina.

(continua...)