donderdag 30 mei 2013

"A gente vévi!"

Quase todo sábado de manhã eu pegava o ônibus Londrina-J. Santo Amaro. Quando chovia era um puro barro arroxeado que teimava em grudar nos sapatos da gente e manchar prá sempre as barras das calças de tergal reformadas que a Dona Tereza passava assoviando e deixando um vinco perfeito. Saudades das minhas calças de tergal, ternos cinzas do Marocão meu pai, saudades da minha mãe e do capricho que ela tinha com a gente nas coisas mais corriqueiras que hoje ainda me lembro. Nunca mais usei calças de tergal, todavia ainda sinto o cheiro do amaciante de roupas que ela usava e que ia se misturando com o do pó-de-serra que o cobrador narigudo jogava nos pisos do circular, creio que prá ninguém derrapar e quebrar o pescoço debaixo da roleta. Um dia vi uma velha gorda levar um tombão feio, entrou toda apressada e ofegante, tropeçou em alguém e caiu de bunda, derrapando que nem uma bola de boliche, levando quem tivesse pela frente de roldão. Teve gente que riu, eu fiquei com um pouco de pena dela, coitada, mas graças à Deus não quebrou nada. Eu me lembro todo engomadinho esperando sem relógio o circular das 12 horas. Era nesse que vinha o seu Chico, um mulatão de meia idade de óculos que era o motorista do fim de semana. Eu levava debaixo do braço um saquinho plástico das lojas americanas, dentro dele os sapatos engraxados, pois os de amassar-barro até a boca embarreados latejavam os meus pés vermelhos. Sim, eu fui e ainda sou londrinense de pé-vermelho, meu coração quer bater mais forte só de lembrar do cheiro daquela terra roxa no verão depois de uma chuvinha fina, o perfume gostoso de um cafezal todo esverdeado florindo branquinho, branquinho. Mas do pó-de-serra molhado dos pisos do circular não tenho saudades nenhuma. Do velho Chico, dele sim. Eu entrava pela porta dos fundos, porém quando o ônibus estava vazio e ninguem no ponto esperando ele me deixava entrar pela da frente sem pagar. Gostava de ir batendo papo, e eu de me sentar sozinho naquela poltrona do lado dele. A conversa era sempre a mesma, se chovia era a chuva, se fizesse sol era o calor, entrecortados pelo rádinho de pilha do narigudo sempre sintonizado bem alto num tal programa "cadeia", onde um imbecil esbravejava como um louco, talvez um pouco com razão até, "cadeia, cadeia, prá esses vagabundos!". O cobrador curtia, olhando prá gente e sorrindo. Mas a parte mais legal daquelas lembranças dos sábados embarreados e felizes da minha juventude era quando eu cordialmente, só prá modo de puxar conversa, perguntava ao velho motorista como ia a vida, ele abria um sorrisão do tamanho do sol de Londrina depois de uma tempestade, desses que o tempo passou e nunca mais ningúem me sorriu nesta vida, e dizia contente: "Ai fio, a gente vévi!".