woensdag 30 januari 2013

Fragmentos de uma viagem

Como o tempo passa! Tudo mais parece um sonho que a gente continua sonhando assim meio acordado. Pesadelos, paisagens, jardins floridos, praias ensolaradas, fogos de artíficio, loucuras pirotécnicas absurdas, tanta juventude perdida nos escombros de Santa Maria. Toda esta absurdidade do ser humano muitas vezes infelizmente chega a me revoltar. Outro dia, depois de mais de quarenta anos, também voltei à minha cidade natal, Presidente Prudente, interior de São Paulo. Viajei quase 12.000 km daqui da Holanda até lá e passei como um relâmpago por ruas taciturnas numa manhã qualquer de verão. Desta vez não fui no velho ônibus da Birigüi via Porecatu, mas no luxo de um carro alugado em São Paulo. Minha esposa foi do lado, com um desses "IPads" de última geração tirando fotos de tudo que encontrava pela frente, era caminhão velho, "é pau, pedra, pedaço de toco, toco sozinho", Kombi caindo os pedaços, borracharias de beira de estrada, queimadas, canaviais pegando fogo, andarilhos, tudo era novidade prá ela naquela manhã pedindo chuva pelo amor de Deus. Eu dentro de mim pedia proteção por mim e minha família, pelos amigos, inimigos, enfim, proteção Divina prá tudo e todos ao meu redor. Quando a gente parou no Entroncamento de Rancharia prá abastecer e dar um mijadinha, eu dei uma dura nela, coitada, que era prá parar com aquela fotografação desvairada que iriam acabar lhe roubando o tal computador fotográfico cor-de-rosa. Da Castelo até ali já tinha tirado 1278 fotos do caminho, mais da metade meio tremidas e foras de foco. Passei por um viaduto novo e avistei o Posto Rio 400. Tentei me focalizar também. Ando meio desfocado da vista e com o passar desse tempo que não pára, também do coração. Acho que a saudade também desfocaliza a gente. E ter saudade é comigo mesmo. Vá sentir saudades assim lá na casa do chapéu. Como já não me lembrava mais onde o dito cujo morava peguei uma rotatória meio sem rumo certo e acabei circulando pela Avenida Brasil e dando de cara com o Parque do Povo. Falei pros meninos, "ó, o seu Mário, avô de vocês trabalhava num matadouro ali perto do frigorífico Bourdon". Um tirou os olhos do celular dele e me deu um sorriso meio ingênuo, o outro continuou grudado no jogo da internet. A esposa tirou mais uma foto de mais uma Kombi, desta vez alaranjada com bagajeiro em cima e uns colchões amarrados com cordas de nylon azul. Sei lá porque ela tem dessas manias, deixa ela, gosta de comprar chinelos havaianas e tirar fotos de Kombi, ué!? Nesta viagem comprou 6 pares diferentes e fotografou umas 367 Kombi. As derradeiras debaixo de chuva rumo ao Aeroporto de Guarulhos. Cada louco com suas manias. Quando fico feliz assovio, geralmente desafinado naquela melodia meio medieval do "Greensleeves". Assoviar limpa a alma da gente. Subi a Rua Rui Barbosa onde nascera em 1963 com o coração querendo ficar mais apertado. Ia dirigindo o Corsa e tentanto em vão absorver todas aquelas infinitas mudanças nas casas, casarões, portões, mangueiras carregadas, fiações de luz, valetas d'àgua nas esquinas. Pô, não me lembrava mais, como aquela cidade tem valetas fundas nas esquinas, há que se tomar muito cuidado senão fica sem escapamento e com furo no Carter. Quando avistei a rua Mário Simões, rua do meu avô e do meu querido pai, foi me dando um nó no peito. Acho que as lembranças foram demais naquele momento, deles, do Mauricião meu irmão que faleceu afogado na juventude, minha mãe no fogão, dos amigos e de tudo que ficou ali um dia vivido na memória de um moleque do interior. Passei em frente do muro azul do Seu Zarpa, que era o gol de nossas peladas. Quase que deu prá ver o velho Zarpa de pijamas listrados saindo à contragosto do fundo de suas penumbras só prá dar dura na gente, querendo furar as bolas de capotão com uma faquinha de pão. Hoje eu sei que era tudo de brincadeira, só teatro, pois o seu Zarpa era no fundo um cara legal, mas a gente enchia bem o saco dele. Me deu uma vontade esquisita que veio das entranhas descalças daquele menino de outrora, queria ter um pedaço de tijolo, um giz ou carvão prá escrever bem grande naquele murão centenário; "seu Zarpa bicha!" , apertar a campainha cinco vezes junto dos meus meninos e depois sair correndo como um raio ladeira abaixo, quem sabe a esposa não tirava uma foto dele de pijamas no Ipad dela. Ah como eu queria ter uma foto dessas, só uma, daqueles momentos maravilhoso de minha infância que dinheiro nenhum deste mundo pode comprar. Na altura do nr. 1322 onde um dia fui colocado neste mundo dei uma paradinha. Lembrei dos meus irmãos mais velhos me tirando umas "você foi achado dentro daquela lata de lixo ali ó, era bebezinho, a mãe pegou de dó prá criar!". Moleque é um bicho danado prá inventar estórias. Só que passei vários anos, bobo, acreditando naquele papo furado deles. Era só aluguel. Aquela casinha azul de venezianas acinzentadas não, aquela era nossa, meu pai tinha mandado o tio Chico pedreiro contruir. Acho que foi contruindo aos poucos, comprando material fiado e fazendo, pois dinheiro hoje eu sei que ele não tinha, coitado. Seis filhos colocados neste mundo e mais um da lata prá criar não deve ter sido moleza. Mas minha mãe criou todo mundo, e hoje graças à Deus ainda estamos aqui criando também os nossos. Descemos do carro, os moleques fotografando tudo sem parar no celular deles, minha filha no dela, a esposa mandando ver no Ipad e eu à procura de mim mesmo, de tudo de que ficou um dia por ali, das minhas raìzes, fragementos de uma história ainda por se contar...