woensdag 19 september 2012

O amolador de facas

Não sei se isso só acontece comigo ou com todo mundo, mas os melhores encontros nesta vida acontecem puramente por obra do velho acaso. A gente fica tentando planejar este destino que so pertence à Ele, ensaiar nossas bobagens em frente ao espelho de imagens retorcidas. O futuro não existe, o passado não volta, apenas o presente deveria nos interessar. Fazer as coisas com todo amor e consciência, ajudar o próximo e algum distante. Ontem amanheci inspirado e resolvi escrever alguma poesia. Não sou escritor e só escrevo mesmo quando me der vontade, o que é uma liberdade incrível. Mas estava aqui caprichando nas minhas rimas tolas quando a campainha tocou. Era um velhinho desconhecido com o cabelo todo tingido numa cor caju desbotada. Eu assumo que era tingido pois o bicho deveria estar beirando os oitenta. Carregava entre os dedos um monte de tesouras e facas de cozinha, as quais abanava no ar com um leque e gritou em holandês quase ininteligível, pelo menos prá mim: amolador, amolador, faca, tesoura, cortador de grama prá amolar, senhor? Quando o vi acenando aquelas lâminas afiadas num reflexo quase bati a porta na cara dele. Mas ele era amolador de verdade, desses que já fazia quase meio século que não tinha encontrado mais nesta vida. Resolvi dar o velho cortador de grama prá ele afiar. Vinte e cinco euros! Mas não sei porque fui com a cara dele e como estava de bom humor resolvi ajudar, coitado. Pois ninguém sai por aí pelas ruas amolando facas apenas por esporte e prazer. Quando ele viu os violões pendurados na parede, perguntou se eu tocava. Falei que sim, que gostava de música. Ele abriu um sorriso enorme, dava prá ver aqueles araminhos da ponte-móvel dos molares escondidos lá no fundo. "Eu adoro música, principalmente jazz!" continuou firme no seu idioma pátrio, que era uma mistura de holandês com um dialeto daqui de Groningen quase impossível de se entender. Ihh, o velho tinha o papo comprido, com o cortador de ponta-cabeça, examinando as lâminas, e bocejando um oh, oh de desaprovo ele continuou com a estória do jazz. Parece que conhecia todo mundo, Coltrane, Bird, tinha os discos do Django Reinhardt, do Miles. Enfim ali cedinho, sob a grama ainda molhada pelo orvalho da madrugada, aquele desconhecido amolador entrou por alguns instantes na minha vida, veio fazer parte de minha estória. Como este fim de semana vou tocar num festival que se chama Music-Art aqui num hotel do vilarejo, perguntei se tinha interesse em ir, falou contente que claro que iria, e com muito prazer, se desse levaria até a esposa. Tirei da carteira um cartãozinho meu com o nome da banda, email, telefone, etc e um ingresso, que custa 12,50 euro na porta, 10 euro com antecedência. Como o conserto do cortador ficaria em 25 pedi desconto e tudo acabou ficando por 20. Naquele instante não pude deixar de pensar da ambigüidade estranha das coisas pois finalmente teria esta oportunidade quase única de trocar um concerto por um conserto. Mas não quis tirar vantagem dele, embora 25 euro acho caro demais. Mas tenho certeza que ele vai aparecer sábado lá no hotel, vou até reservar duas cadeiras na primeira fileira, pro meu novo amigo amolador.

Eu queria estar em Londrina

Prá me encontrar com você, passear pela neblina leve o velho Calçadão em greve Ipês arroxeando avenidas repletas de desencontros assim como nossas vidas, mil primaveras passadas pétalas meio amareladas, o tempo a desflorescer... Queria estar em Londrina, sentir a terra vermelha queimando sob meus pés, dar uma corrida no Zerão, depois tomar uma gelada qualquer bar, do Carlão, talvez nem existam mais essas coisas que a vida leva, modifica ou desfaz, hoje estou sonhando meio acordado, todavia este meu passado que nunca pensa sequer em querer passar... Eu queria estar em Londrina, ver a Banda do Vitão tocar um jazz prá me enjazzear o coração deslocado por esta distância que existe entre a gente, ó mundo endoidado, te dar um beijo na testa, nem precisava ser na boca porém confesso a minha hoje um pouco louca de saudades misturadas com o tesão da mocidade que nos apaixonou prá logo depois abandonar... Eu queria estar em Londrina, prá ficar parado só ouvindo um Bem-te-vi assoviar bem alto lá de cima do poste da Copel, meu sobressalto sentir o sol nos bronzear, um chuvisqueiro breve, uma gota na minha língua qual neve me derretendo a alma, o arco-íris, a lua cheia nem tudo isso me acalma, hoje eu queria estar aí em Londrina mesmo que por um instante só prá dar tempo de te dar um abraço...

zondag 2 september 2012

Coisas bobas que a gente se lembra de vez em quando

Tomei uns vinhos, confesso hoje bebi demais. Não sei porque eu bebo assim desse jeito, acho que isso está gravado prá sempre no genoma da gente, meu pai o velho marocão também era um baita de um bebum. Resolvi ascender lá fora no jardim uma fogueira, usando os galhos que havia cortado de uma árvore imensa que estava fazendo sombra demais. Sombra é uma coisa legal quando se tem bastante sol, mas aqui na Holanda o velho sol só aparece de vez em quando e qualquer raiozinho vale o quanto brilha, por assim dizer. Quem nunca sentiu isso não sabe do que estou falando mas quando a gente sabe que o sol vai raiar o dia inteiro, ou depois de alguns dias de chuva ou de inverno ele vai aparecer novamente queimando forte; aqui na Holanda é diferente, quando o sol aparece a gente tem que aproveitar ao máximo cada minuto do dia, pois depois ele desaparece e as nuvens vem cobrir este planeta. Como alguém já disse uma vez "o teto é bem baixo" neste país, ou seja, as nuvens são bem fortes e carregadas, cobrindo os céus deste país pequenino, todavia tão intrinsecamente complicado. Aprendi a falar o holandês, o que já é uma conquista imensa em si mesma. Dou os meu foras volta e meia, outro dia alguém me perguntou as horas e eu mandei o sujeito virar a esquina e seguir em frente até encontrar um posto de gasolina! O holandês é um idioma complicadíssimo, porém vou aprendendo com os meus filhos que me corrigem diariamente nas minhas gafes. Sou gafioso, sempre fui, acho que sempre o serei, me lembro de uma vez quase quarenta anos atrás quando fui visitar o compadre "peitudo". Compadre peitudo era uma amigo do velho Maroca meu pai. Um italianão enorme de quase dois metros de altura, todo musculoso e brabo que nem ele só. De brincadeira minha mãe apelidou a fiel esposa do peitudo de "comadre peituda", e era compadre peitudo prá lá, comadre peituda prá ca, eu no meio levando a minha vidinha de moleque pobre de interior. Um dia fomos visitar o compadre peitudo. Fomos de ônibus circular pois meu pai acho que com as bebedeiras dele jão não dirigia mais autómóvel. Quase quarenta anos já se passaram e ainda me lembro da jaqueira. Umas jaconas enormes quase que pré-históricas penduradas perigosamente nos galhos fininhos e retorcidos queimando ao sol quente da Alta Sorocabana. O compadre peitudo apareceu sem camisa, com quase seus dois metros de altura e o peito todo peludo e cheio de músculos, parecia um desses alterofilistas que a gente encontra por aí. Pensando bem aquilo não era normal, aquele compadre devia tomar anabolisantes prá ficar forte daquele jeito. Isso porque eu faço meus exercícios diariamente mas a minha patola não cresce nem um centímetro com todo esforço que faço, pelo contrário volta e meia me dói algum estiramento muscular. Mas o peitudo era um italianão muito forte e pelo jeito fodidão de matar, senti que o velho Maroca tinha respeito por ele. Fiquei esperando a comadre, que devia ter uns peitões enormes, muito maiores ainda, lembrando das conversas de minha mãe. Foi quando vindo das sombras uma senhora magricela apareceu com uma galinha de ponta-cabeça debaixo do braço. Se não tivesse sido a nossa inesperada visita aquela penosa já teria caído em alguma panela. Quando nos viu soltou a coitada da galinha no terreiro, que fugiu como louca cacarejando ao encontro da segurança das asas de algum galo. A velha era feia, de óculos fundo de garrafa, cabelo meio vermelho sei lá eu se era tingido ou não. Mas era uma tábua e não tinha peito algum. Confesso, fiquei muito decepcionado, dessas decepcões que a gente tem na infância da gente nesta vida. Na minha imaginação esperava a comadre peituda assim como uma Sophia Loren, um tipo de musa, uma fonte de inspiração para as minhas punhetas. Quan ela apareceu não me contive e gritei bem alto, até o compadre se assustou um pouco; "Mãe, mas comadre peituda não tem peito nenhum, pô!!"