woensdag 10 juli 2013

Homenagem ao Cocão

Tanta coisa nesta vida eu sei que deveria esquecer mas vivo sempre me lembrando delas. Às vezes debaixo do chuveiro, outras aparecem vindo do nada no fundo dos mistérios dentro desta cabeça carecona e cinquentenária numa caminhada sem rumo pelos bosques desta Holanda distante. A memória da gente é uma coisa incrível, misteriosa e paradoxal ao mesmo tempo. Hoje sei lá porque cargas d'água fui me lembrar do "Cocão" e dos passarinhos de gaiola dele. O Cocão era um vizinho que eu tinha na minha infância, com cara assim meio de meio bobão mas gente boa que nem ele só, passava o tempo acho que coçando o sacão dele debaixo de umas parreiras de uva na varanda daquele velho casarão de esquina. Lembrando bem acho que a família toda era meio religiosa,crente, a mãe gordona, o pai sempre de terno e gravata e as irmãs todavia bem com caras de puta. Mas o Cocão com aquela carona de vaca na horta dele era comedor de primeiríssima, passarinhava a mulherada da vizinhança inteira, acho que até a minha velha entrou no rolo, as coitadas no tanque, sempre suando às bicas, carregando compras de carrinho, varrendo aquelas empoeiradas calçadas do interior. Lembro dele com o cabelão engomado, uma calça de tergal acinzentada, camisa branca de colarinho abotoado e chinelas havaianas amarelas naqueles pezões enormes, mais de 45 cinco deviam ser aqueles pés gigantes. Os passarinhos dele eram os melhores da região, tinha bicudo, azulão que dava pulo de ponta-cabeça nos puleiros, maritacas maritacando sem parar, canários belgas cantadores de letra, do reino, do campo e sei lá mais de onde.Os meus prediletos eram uns pretões com a cabeça vermelha que se chamavam cardinais e os corrupiões amarelos que não sei porque a molecada os chamava de Jão Pinto, passarinho tão lindo com nome tão feio. Pensando bem o Cocão era, além de comedor de vizinhas, um ornithólogo de primeira, pois sabia o nome de todos os bichos, o comum que quase todo mundo já sabia de velho, mas principalmente os em latim, coisas de enciclopédia, "os trópicos" para mim naquela época. Foi nos Trópicos que fiquei sabendo das coisas bíblicas tão inverossímeis até então para mim, dos Astecas, dos Incas, da fusão atômica, do princípio de Arquimedes, e muitos outros que não me lembro mais, assim como as aberturas de xadrez e outros infinitos pormenores que aguçaram todavia minha criatividade infantil. Um dia um de meus irmãos passou por lá e colocou-os (os trópicos) dentro de uma maleta de couro e levou embora prá sempre, pois fora ele quem os comprara semanalmente em alguma banquinha de revista. Eu gostava de ler, mas nunca fui de comprar nada, principalmente xampú, será que ainda se escreve assim ou será que é shampoo como antigamente; mais um desses paradoxos meus, sou desde os 18 anos irremediavelmente careca que nem uma bola de bilhar, mas adoro usar xampú dos outros, se tiver condicionador dando sopa melhor ainda, deito e rolo. Va ga bunnnn do, dizia o Zé Galinha, onde será que anda aquele grande Zé, já mandei um email prá ele várias vezes e nunca tive resposta, acho que se esqueceu de mim. O Cocão, se ainda estiver vivo, também, porém eu confesso aqui que dele nunca me esquecerei