maandag 2 juni 2014

A ave do vizinho

"Nao acredito que voce fez isso!", foi o que me disse quando ouviu aquilo. Confesso aqui, fiz sim, isto, aquilo e tantas outras coisas pensando bem pouco louvaveis. Ninguem se lembra mais disso, acho que nem o Mirtao. Um dia apareceu de repente la no fundo do quintal do vizinho uma ave esquisita, enorme e diferente. Tinha as pernas compridas e sem penas, com um pescocao imenso meio verde-amarronzado. Em minha fantasia de menino aquilo era um bicho pre-historico, qualquer coisa vinda do Jurassico de nossos ancestrais. O velho estilingue de tripa de mico balancava no meu pescoco e aquele jubilo de excitacao de cacador tomou conta de mim. Iria derruba-lo com uma estilingada de coquinho verde, que preferia usar ao inves de pedras, que me pareciam muito crueis e dolorosas. Eu me escondi atras de uma moita de cana caiana e mirei bem na cabecona do passaro. Eu me sentia um proprio indio xingu ou tupi-guarani, descalco, sem camisa com meu self-made estilingue carregado em minhas maos. Soltei as borrachas esticadas de minha arma improvisada e a bala-coquinho saiu zunindo e rodopiando em linha reta no ar. A ave se moveu e a coquinhada foi pegar bem na asa da coitada, que correu pelo terreiro taxiando por aquele aeroporto de terra e vegetacao do seu Nene, vizinho do lado. Chegou a subir quase um metro do chao, mas parecia um boeing carregadissimo e por alguma lei da aerodinamica ou talvez pela coquinhada infelizmente nao saiu do chao. Tentei outra vez, todavia sem sucesso. O mirtao apareceu no quintal, fumava um minister escondido, aparentemente surrupiado do bolso da camisa do meu pai. Ele se juntou a minha tribo e os dois em bando acurralavam a ave assustada, que corria, pulava, dava viravolta, mas os muros e cerca do quintal a deixavam a nossa merce naquela prisao. Apos alguns minutos daquele pega-pega chefe Mirtao desistiu da empreitada. Tinha outras coisas melhores pra fazer do que correr pelo quintal atras de passarinho. Naquele tempo me lembro bem ele corria atras das mocinhas empregadas domesticas da regiao. A contragosto fiquei sozinho estilingando e felizmente para o passaro errando. Isso quando seu Nene voltou do trabalho e correu acudir seu filhote de Ema que pobrezinha tinha perdido a mae atropelada (penso que pelo proprio Nene, que Deus os tenha). Pedi minhas sinceras desculpas a ele e a Eminha, que ficou passeando pelos quintais agora protegida por mim, ate criar coragem ou aprender a voar. Depois um dia voou bem alto e de cima do pe de tamarindo ainda me deu uma olhadinha, soltou um canto, que mais parecia um ruido de um trem apitando e querendo partir, depois foi embora pelo mundo, viver novas aventuras...