vrijdag 23 mei 2014

Saudades do Nerso

O velho Nerso gostava de fazer palhacada, mas na verdade era um cara letrado, gostava de politica, lia demais. Aposentadao, penso que tinha tempo de sobra. Um dia me deu um livro de contos do Guimaraes Rosa pra ler, Sagarana, adolescente confesso que achei o Guimaraes meio prolixo, pra nao dizer chato, mas depois entrei na dele e fui ate o fim. Era um livrao grosso de capa meio verde, mais grossao ainda que o Neruda de minha irma, que eu lia em espanhol saboreando as frases que todavia so entendia a medade infelizmente. O Nerso vinha varias vezes por ano passar as ferias com a familia e quando minha mae dizia que ele ia aparecer eu ficava de butuca esperando com ansiedade, pois adorava ouvir ficar perto dele, ouvindo as estorias, contos, causos que ele contava como ninguem, com um vozeirao de locutor de radio e uma imaginacao sem limites. O Nerso pensando bem era o meu Gabriel Garcia Marques e um dia ate pensei em gravar tudo que ele contava, mas como nao tinha gravador e tudo mais acontecia muito rapido em minha vida e ao meu redor, foi ficando por isso mesmo, como tantas outras coisas em minha vida. Minha mae dizia que minha vo sofreu muito com ele quando moleque e cada circo que passava pelo vilarejo o Nerso se ajuntava com eles, ajudava a cuidar dos bichos, armar o picadeiro. Quando o circo ia embora ele largava tudo e ia junto, vovo tinha que ir buscar no proximo vilarejo. Gostava de palhacos e tinha aquele dom natural de fazer a gente rir, nao importa a piada ou causo que contasse. Estava de regime, nao podia comer acucar com a diabetes dele, e a esposa alema lhe controlava na cozinha. Quando ela dava as costas ele batia continencia e colocava os tres dedos no ombro como se fosse as divisas de um sargento imaginario. Era so a coitada entrar no banho e ele piscava pra mim e eu ficava de sentinela na porta da sala, Nerso se atracava nos frutos proibidos da geladeira, pao feito em casa, mortadela, queijo, o que encontrasse pela frente, enchia a boca e depois engolia tudo com goladas de cafe preto caprichado com colheres de acucar. Eu e um outro primo meu eramos cumplices e ao mesmo tempo atores e plateia naquele teatro improvisado. Ah, que saudades dele, daqueles bons tempos de nossas vidas. Eu gostava de ouvir a estoria do ricardao ou joaquinzao do guaranas bem bom, personagem de sua infancia e que ele ia contando e ao mesmo tempo imitando. O gordao parece que tinha uma formula secreta do guarana dele que guardava a sete chaves e era tao gostoso que a propria coca cola queria roubar. Quando ele repetia a estoria do aviao em Marilia que entrou numa tempestade feroz e os passageiros ja estavam rezando e se despedindo deste mundo o piloto achou um buraquinho do tamanho de um pires naquele nevoeiro e mergulhou o nariz da aeronave chacoalhando pra todo lado ate finalmente estancar em cima de um cafezal em flor. Ninguem se machucou, Nerso aplaudiu o piloto que chorava em silencio. Dentro de mim eu tambem aplaudia, hoje choro em silencio quando me pego lembrando daquele velho palhaco maluco. Saudades do meu tio Nerso, de minha juventude no norte do meu Parana...

dinsdag 20 mei 2014

Passatempo

Foi no balneario de Camboriu que o grande e saudoso Nerso meu tio um dia saiu com isso ou seja, inverter a ordem dos ditados populares de entao. Chovia sem parar, deixando as ruas de paralelepipedos cobertas numa enxurrada diluvial ate entao nunca presenciada por mim menino. Entupiram-se todas as bocas de lobo das calcadas com restos de lixo, pedacos de pau, folhas, enfim tudo boiava a nossa frente naquele domingo inesquecivel de ditos populares nunca dantes embaralhados. 'De pouco e de louco todo mundo temos um medico' ainda meio encabulado arrisquei um meu, Nerso gostou, tirou os olhos do livrinho de palavras cruzadas e me deu um sorriso. Ele e minha mae eram loucos por palavras cruzadas e os melhores que ja encontrei no meu idioma patrio. Era um dos mais dificeis, daqueles que a gente comeca, rabisca aqui e ali, busca ajuda de cabeca pra baixo, depois enche o saco e acaba em qualquer canto da sala ate vir alguem resolve-lo. 'Agua dura em pedra fura tanto bate ate que mole' minha irma adicionou na lista, que alguem escrevia num pedaco de papel de embrulhar pao. Ja estavamos chegando quase nos cem, e so os melhores passavam pelo controle de qualidade do velho Nerso. Pensando alto ele falou com seus botoes, 'Deusa grega da beleza, com oito letras?. Estava na ponta da lingua mas nao achava. O Mirtao passou pela geladeira, abriu uma latinha de cerveja e veio ao socorro, 'nao seria Afrodite, por acaso?' Nerso conferiu com as horizontais e batia. Grande Mirtao, obrigado. A chuva continuava a cair, uma cobra verde passou surfando com a cabecinha de fora na correnteza, coitada alguem caiu de pau em cima dela. Assustada e quase afogada sumiu por detras de umas moitas de taroba. O sol nao aparecia, la longe dava pra ver as ondas encrespadas enormes quebrando em frente aos predios. Uns argentinos passaram de barco de borracha pela rua deserta e pararam em frente a padaria. 'Papita, mamita' imitou-os o Nerso, que se enroscava em mais uma curva de seu passatempo predileto. Esta era dificil demais, 'rio europeu que atravessa o maior numero de paises?' E da-lhe todo mundo em volta dele a queimar os respectivos neuronios. Dona Tereza estava certa que era o Volga, mas nao cabia. Ficamos la um tempao olhando a chuva e pensando. O Mirtao passou com mais uma latinha e deu o seu palpite 'cabe o Danubio?'. Na mosca, o Nerso agora o aplaudia e fazia reverencias, 'Poxa, eu nao sabia que o Mirto tinha um conhecimento tao grande e variado assim, gente!'. Eu queria que aquele tempo parasse ali, na felicidade simples daquela tarde de domingo entre os meus familiares mais queridos. Chegamos ao centesimo ditado trocado 'Em terra de rei quem tem olho e cego'. Mirtao fechou com chave de ouro mais umas duas paginas do quebra-cabecas do Nerso. No finalzinho da tarde o sol apareceu, uma loirinha de biquini filha do padeiro arriscou a ir ate a praia. Eu fui seguindo-a apenas com os olhos. Mirtao foi tirar uma soneca, depois desceu com uma revistinha de quebra-cabecas embrulhada que tinha todas as solucoes para os problemas do Nerso. Na falta de couve mamae refogava as folhas da taroba com alho e cebola, cheiro e sabor de minha infancia que nunca mais lembrei, ate agora neste exato momento, que embora escrevo vou deixando tambem passar...

zaterdag 3 mei 2014

As magoas nao passam

Aconteceu, tudo passou, aos poucos foi ficando triste, momentos vividos apenas, de repente essa dor na gente, momentos eu quisera quardar no freezer do tempo pra viver mais tarde ao lado de quem eu amei sem saber, uma dor que nao tem porque, e vem de lugar nenhum, infinitas pequenas agulhadas que foram se juntando somaticamente despercebidas no fundo da alma ate virarem magoas, Ah, se as magoas passassem assim como o tempo...